sino

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Natal






"Aproxima-se o Natal, aquela data em que a humanidade se une num só sentimento.A dúvida sobre o que dar de presente"

Esta frase, atribuida a Luis Fernando Veríssiomo noTwitter ano passado, fazia parte do meu post de Natal ( http://bit.ly/hbtRGh ), que modéstia parte, ficou muito legal e acredito que mereça uma releitura . Mesmo porque, este ano não estou lá muito inspirada e também não mudei de opinião sobre o que disse lá!
Mas não podia deixar de dizer alguma coisa aos meus seguidores, especialmente para aqueles que durante o ano se tornaram amigos, virtuais ou ao vivo e a cores, em carne e osso.
Desejo a todos vcs, um Natal de alegria, união e presentes de verdade. Presentes de verdade, em minha opinião são aqueles que farão parte de nossas vidas para sempre como os da lista aí:
- familiares queridos sempre por perto
- amizades renovadas
- novos amigos
- coração enternecido
- olhos brilhando de emoção e alegria               
- aconchego                                                                                      
- saúde
- educação
- um que de criança em cada coração
- liberdade
- consciência
- solidariedade
- amor
- oportunidades
- trabalho
- realizações
- e claro, dinheiro que ninguem é bobo nem de ferro!


Um grande abraço a todos e um            FELI NATAL





sábado, 18 de dezembro de 2010

Encontros

Falam muito por aí das relações virtuais. Há teses, pesquisas artigos. Milhões de palavras que tendem a nos convencer de que as redes sociais  fazem com que fiquemos cada dia mais superficiais nos relacionamentos, mais afastados do mundo.
Já há algum tempo que não me sinto à vontade com essas opiniões.
Sou do tempo em que poucos tinham telefone, do tempo do correio, no máximo do fax! Por isso, não foi muito tranquilo aderir às redes sociais. Mas, com ajuda dos filhos isso acabou acontecendo. No início, achava um tanto estranho, não sabia direito o que fazer e ainda havia a preocupação com o contato com gente que na verdade não conhecia, afinal, todos os dias lemos ou vemos na TV alertas sobre o perigo dessas relações.
Hoje, sei que como na vida "real" é uma simples questão de bom senso. Vc conhece alguém pessoalmente, e só com o tempo vai identificar afinidades ou não. Nas redes sociais também é assim.
A cada dia tenho mais certeza de que os relacionamentos que fiz especialmente no twitter são reais.
Tenho um carinho e uma admiração por algumas pessoas (ou deveria dizer @s?), tão sinceros e reais quanto os que tenho com amigos pessoais. Me preocupo por eles, torço por suas vitórias, me disponho a ouvir o que tem a dizer em qualquer situação. E vejo reciprocidade da parte deles.
Além disso, em que situação real poderíamos ganhar de uma vez mais de 1000 amigos? Tá certo que não nos "aproximamos" de todos. Digo aproximamos entre aspas pois a maioria, não conheço pessoalmente já que todos temos compromissos, moramos longe, alguns em outros estados ou até países. Mas, digo com tranquilidade, que em 1 ano e poucos meses, ganhei aí uns 80 grandes amigos, prá todo tipo de desabafo, divisão de alegrias e tudo o mais que se faz com quem se gosta.
Aí, tem aqueles que depois do contato virtual, acabamos conhecendo pessoalmente. E que maravilha sentir no olhar, no abraço, que aquela relação virtual realmente criou vínculos afetivos!
Hoje mesmo, participei de mais um encontro com amigos doTwitter. E mau sabem eles o quanto foi complexo prá mim estar com lá, por diversos motivos. Mas enfrentei chuva, uma ladeira escorregadia, o tempo exíguo para encontra-los.
E foi muito bom. Meu coração está "mexido", já estou sonhando com novos encontros, já sinto saudade.
Foi um encontro, do tipo verdadeiro.
Grande abraços aos meus amigos virtuais e aos que já se tornaram pessoais. Adoro vocês!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conexões

À frente de Sonia, ela começou a falar. Explicou como tinha chegado até lá e que havia decidido não falar sobre si até então pois acreditava que isto daria à terapeuta "material" para "criar" uma regressão. Falou de sua surpresa com o resultado, que realmente lhe trouxera imagens sobre as quais já havia pensado antes.
 Contou sobre a sensação de "ver" as cenas enquanto Sonia falava.

Sonia disse que ver as cenas era algo muito raro.Em geral, as pessoas ao ouvirem as histórias narradas , acompanhavam o enredo como se estivessem lendo um livro.

Mas ela confirmou que em seu caso as coisas eram mais claras, chegava a sentir aromas dos lugares.

Sonia perguntou-lhe se reconhecia pessoas das histórias que estivessem ao seu lado nesta vida.

Ela disse que tinha desconfianças, mas gostaria de saber que tipo de informação Sonia poderia dar a este respeito.

A terapeuta explicou que,por suas teorias e crenças era comum que o mesmo grupo de pessoas voltasse a se reunir em várias vidas, ou dimensões, como muitos preferiam, mas que para que ela própria pudesse fazer conexões, teria que ter recebido informações sobre ela antes das regressões. Mas, que o que lhe chamou a atenção foram as presenças de Frederico (na vida de Zaira) e George (na de Mildred), que lhe pareciam sugerir que fossem 2 outras encarnações de Lucas, já que Sonia tinha a certeza de que as 2 moças eram as antigas personalidades dela.

Ela então resolveu falar claramente sobre as conexões que fizera durante as regressões e no intervalo entre as duas.

Suas impressões foram muito claras. Frederico e George com certeza eram Lucas. E para ela isto explicava sua relação quase simbiótica com ele. Era como quisesse se desculpar pelo que fizera nos tempos de Mildred ou quisesse aproveitar até o fim a aventura com Frederico.

Uma coisa, ela interpretou de forma errada, mas só viria a saber disso anos mais tarde, quando sua relação com Lucas terminou. Ela imaginou que Mary, a noiva prometida de George, fosse Sonia, a esposa de Lucas. Mas na verdade,era Maura, que na vida atual, também havia sido apaixonada por Lucas desde menina, mas tinha sido "trocada" por ela, que por fim o "devolvera" à Maura que sempre esperara por isto.A esposa de Lucas, entrara na vida deles por motivos que não chegaria a descobrir.

Outra coisa que a impressionou bastante foi o fato de Mildred ter desaparecido e sido morta pela Inquisição. Ela, sempre se interessou por ervas e plantas medicinais e teve uma facilidade imensa de trabalhar com os Florais de Bach, técnica que utiliza plantas inglesas, e era chamada de "bruxa" por muitos, mesmo que de forma jocosa.  Além disso, as histórias sobre a inquisição e seus absurdos a deixavam muito impressionada, o que também a fazia ter certa resistência aos ritos católicos.

 Outro fato marcanate é que uma grande amiga sua, também se submeteu à regressão naquela época e isso as fez compreender a ligaçao muito forte entre as duas, embora fossem tão diferentes que ela as vezes não sabia se a amava ou odiava. É que esta amiga, Olívia, também trabalhava da mesma forma que Mildred, foram presas juntas, mas para fugir da punição, esta amiga refugiou-se em um convento, fingindo ter se convertido. Esta situação foi vista por Mildred como uma traição, e foi com este sentimento que ela deixou este mundo.

Quanto à família de Zaira, ela teve muitos insights! A mãe, era exatamente como a sua desta vida. Implicava com tudo o tempo todo e queria que a filha arrumasse um marido pacato mas que cuidasse dela. Afastava todos os seus pretendentes e ainda fazia com que ela, por si mesma, evitasse envolver-se com outros rapazes pois sabia a resistência que a mãe criaria.

 Jan, era com certeza seu pai desta vida. Alegre, paciente, amante da música e das viagens. Apoiava a filha em tudo que precisasse e nunca se afastava dela.

Depois desta sessão, ela voltou ao consultório várias outras vezes,mas nem sempre para regressões, mas para analisar as informações obtidas.

Muitas coisas em sua vida ficaram mais claras, embora ela levasse muitos anos para compreender que sua relação com Lucas já não tinha sentido.E isso só aconteceu porque ele pôs fim ao relacionamento.

Foram anos, usando as regressões como elos entre passado e futuro, entre consciente e inconsciente...

Foi uma experiência muito válida embora em sua cabeça sempre pairavam questões e mais questões.

As tais vidas passadas existiam ou eram meras ilusões?

Mas se eram ilusões, como Sonia as descrevia tão bem?

Nosso destino está pré-determinado?

Conhecer vidas anteriores pode nos ajudar a compreender a atual?

Ou estas histórias seriam fruto de dimensões paralelas nas quais estaríamos envolvidos?

Não importa. O que importa é que com o passar do tempo, a publicação do livro, o apoio dos velhos amigos em especial Miguel e Lin, (que ela ainda encontraria em outras vidas!), ela tomou posse de si.

Outros relacionamentos surgiram em sua vida, homens muito mais interessantes do que Lucas foi um dia.

E ela sabia, que seria uma questão de tempo e auto-conhecimento para que um grande amor nascesse em seu coração e ela sentisse que era a hora de construir algo ao lado de alguém.

Não pensava em relações do tipo "até que a morte os separe", afinal, tivera a oportunidade de saber que isso não existia, a vida anda em ciclos, e participamos deles eternamente.

O importante é construir o amor, pelas coisas, pela natureza, pelos animais, pelas pessoas.

Enfim, a busca da Paz e o Prazer.

 
                                                           FIM

sábado, 16 de outubro de 2010

2ª Regressão

Os 15 dias demoraram a passar, e meia hora antes do horário marcado ela estava lá, louca para continuar aquilo que poderia ser sua pré-história pessoal

Sonia sempre tranquila e sorridente nem precisou dar orientações porque ela entrou e já "pulou" para a maca de cromoterapia. A terapeuta teve que fazê-la entender que a ansiedade exagerada só iria atrapalhar. E ela obedeceu, respirando e relaxando como o indicado. Nunca soube se este (a ansiedade) fora o motivo de a sessão acontecer de um modo diferente, sem apresentação de diálogos. Desta vez foi uma descrição dos fatos, mas também acompanhada de uma vivência quase física dos acontecimentos. Foi assim:

Espanha, norte da Catalunha. 1826. Uma tenda ao estilo cigano.

Aquela era uma "casa" cheia de movimento e música, mas também repleta de frustrações.

O chefe da família, Jan, é de origem cigana, da Europa oriental e sua família viera para a Espanha há muitos anos. Jan era apenas um menino de 15 anos, mas ao passarem pela França apaixonara-se perdidamente por Marie, sua Marie de la mer (referência à Santa protetora dos ciganos). Passaram-se 3 anos até que Jan conseguisse criar coragem e romper com a família, separando-se deles e levar Marie para viver com ele naquelas areias espanholas. De suas tradições mantivera a tenda, o comércio de cobre e o amor pela música que interpretava tão bem, agora em sua guitarra. Tiveram uma única filha, Zaira.

Marie, uniu-se a Jan por puro encantamento, por paixão. Mas ao longo dos tempos, incomodou-se com aquele estilo de vida sem conforto e segundo ela instável e sem futuro. Reclamava o tempo todo, mas continuava ali, cuidando da tenda e da filha.

Zaira crescera ouvindo as histórias do pai sobre sua gente e confrontando-as com as histórias da mãe sobre as maravilhas da sofisticada França. Casara-se aos 19 anos com Juan, mais por convenção e por insistência da mãe de que este era o caminho correto para uma moça. Todos os finais de tarde unia-se ao pai que tocava para que ela dançasse. E foi num dia assim, onde Zaira mostrava seus dotes de dançarina que Juan chegou à tenda em busca de objetos em cobre. Foi amor à primeira vista.  Tiveram 3 filhos lindos. Zaira os amava muito e envolvia-os nas danças e músicas do pai. Eram muito alegres e festivos, exceto Marie, que além das reclamações sobre o marido, também implicava muito com o genro.

O casamento de Zaira e Juan era algo morno, convencional. O rapaz não tinha ambições, muito menos sonhos. Juan percebia a indiferença da filha, mas agia como se não percebesse até para não provocar ainda mais a ira da mulher que dizia que o genro não tinha pulso como marido.

Zaira porém, apesar do amor pela companhia do pai e o amor pelos filhos, guardava no coração um desejo enorme de conhecer outros lugares,de exercer ao menos um pouco a atividade de seus ancestrais, a andança, como dizia.

Em uma manhã de domingo, Jan estava mais animado do que nunca e junto com os netos, agora com 3, 5 e 7 anos, iniciou mais cedo a cantoria. Logo Zaira juntou-se a eles. Mal perceberam a aproximação de um cavaleiro que pediu autorização para aproximar-se. Pararam de dançar e cantar para receber o viajante que pedia informações. Convidaram-no a tomar um copo de vinho enquanto descansava. Zaira os serviu e ficou por perto ouvindo a conversa. O nome do rapaz era Frederico, viajava pela região aceitando pequenos trabalhos que lhe dessem o suficiente para correr mais e mais trechos, conhecer lugares. Enquanto Zaira encantava-se a cada palavra dele, Marie sentia aversão aquele que lhe parecia um vagabundo sem rumo.

Marie não gostou quando Jan lhe ofereceu pouso por alguns dias e Frederico aceitou.

Foram dias devastadores naquela família. Além de encantar Jan e  as crianças com sua fala fácil e atraente , Frederico arrebatou o coração de Zaira com suas histórias. Na véspera da partida do simpático Frederico, Jan e as crianças fizeram uma despedida com muita música. Frederico que já os observara todos aqueles dias, pediu autorização a Juan para dançar com sua mulher. Juan aceitou para desespero de Marie que via o brilho nos olhos da filha. Zaira pela primeira vez na vida teve dificuldades para manter o ritmo de seus volteios. Os olhos de Frederico fixos nos seus a desequilibravam Mantinha uma distância adequada, mas em um momento em que estavam próximos ele disse a Zaira que teria enorme prazer em tê-la em sua companhia quando partisse pela manhã. Zaira parou de dançar, arrumou uma desculpa e entrou. Os outros ainda tocaram e cantaram por algum tempo.

Zaira estava alucinada. Não conseguia conter seus impulsos. Partir com Frederico seria sua possibilidade de realizar seu sonho de conhecer o mundo. Mas e os filhos? O pai ela sabia que entenderia e que sempre poderia contar com ele. A mãe... jamais aceitaria nenhuma decisão, fosse ela qual fosse. Juan? Não teria reações e cuidaria dos meninos. Seu coração doía. Seu cérebro fervia. Mas estava encantada com Frederico e sabia que se não fosse embora agora, nunca mais o faria. Antes do amanhecer, enquanto todos dormiam escreveu uma longa carta ao pai explicando tudo,pedindo que cuidasse dos netos e que tentasse fazer com que Juan não a odiasse. Disse ainda que voltaria um dia e que esperava que a mãe a perdoasse. Pegou algumas roupas e saiu, esperando que Frederico acordasse logo. Quando saiu da tenda, avistou Frederico,  encostado em seu cavalo já preparado para partir. Correu até ele abraçou-o trêmula. Ele não disse nada, apenas ajudou-a a montar e partiram.

Foi Marie que encontrou a carta e fez um grande alarido. Gritava com o marido, querendo que ele fosse atrás da filha, evocando as regras de puritanismo feminino do mundo cigano. Jan nada dizia. Acusava o genro de todas as coisas, de não ter sido capaz de "domar" a mulher, de não ter voz para nada. E continuou a gritar até o dia de sua morte 8 anos depois.

Jan, secretamente apoiava a decisão da filha. Há muito não tinha em si as ideias de submissão da mulher, afinal, desde que deixou seu povo por uma delas, não sentia-se em condições de recorrer àquelas ideias.

Juan parecia não entender o que acontecera. Não demonstrava sentimentos de tristeza. Continuou como sempre convivendo com a despreocupação do sogro e a intolerância da sogra.

As crianças foram muito bem cuidadas especialmente pelo avô que lhes dizia que a mãe tinha ido atrás de histórias interessantes para contar quando voltasse. E viviam felizes, como as crianças fazem.

Zaira e Frederico correram "o mundo". Zaira era completamente apaixonada por aquele homem galante que tudo conhecia e a todos agradava. E ele era gentil e amoroso com ela. O que ela não sabia é que ele era assim com todas as belas mulheres que conhecia. E viveu nesta inocência por muitos anos, até que um dia, estavam chegando à França, Frederico a deixou em uma pequena pousada e disse que sairia para negociar uns tecidos que trouxera na bagagem. Nunca mais voltou. Zaira o procurou por muito tempo sem resultados. Não tinha recursos próprios e teve que trabalhar para a senhora da pousada por um bom tempo para reunir o suficiente para sair dali.

Sentia sim a falta de Juan, sofria, mas precisava sobreviver, e àquela altura sentia uma grande necessidade de voltar à Espanha e rever os pais e os filhos. Não sabia como seria recebida, mas tinha que fazer isto. Decidiu instalar-se em Barcelona antes de procurar a família. Alugou um pequeno quarto que tinha como mobília apenas uma cama, uma cadeira de balanço e uma estante onde guardou os livros que sobraram dos muitos que leu durante os anos de viagem. Dias depois de ajeitar-se na nova morada ela pegou a estrada para a antiga casa. Assim, quando quisesse teria um lugar para voltar, com a civilidade que adquirira em suas viagens.

Chegou em um começo de tarde e o cenário que avistou alegrou seu coração. Lá estavam Juan e Jan tocando seus instrumentos e um belo rapazinho aprendendo com eles. Antes que despertasse daquela visão que apertava seu coração entre medo e alegria, ouviu a voz do pai gritando: Zaira! minha pequena! Viu também quando Juan assustado abraçou por trás o jovem rapaz, que disvencilhou-se dele para acompanhar o avô. Juan a abraçou e beijou com lágrimas nos olhos. Zaira nem sabia o que dizer. Perguntou pela mãe, pelos filhos. Mas o pai ainda não conseguia falar, só queria olhar para ela. O rapazinho aproximou-se, olhou prá ela e disse - Mamãe? Zaira quasee não pode manter-se sobre as pernas. Abraçou o filho agora com 17 anos! Disse a ele que tinham muito a conversar, perguntou pelos irmãos e o rapaz disse que ia buscá-los. Saiu correndo para chamar os outros 2. Enquanto isso, Juan, deixou a tenda para o lado oposto da cabana de modo a não encontrar-se com Zaira. E ela perguntou ao pai pela mãe. Entristeceu-se em saber de sua morte, pediu desculpas ao pai por não estar ali mas falou da sensação boa de ter realizado seu sonho. O pai perguntou de Frederico, e ela apenas olhou prá ele que compreendeu o que acontecera. Teriam tempo para conversar. Enquanto isso, ao longe viram os 2 rapazes se aproximando. Eram o mais velho e o caçula que ele trouxera e que também abraçou a mãe e olhava-a como se fosse um milagre, com olhos brilhantes e sedentos de informações. Zaira perguntou pelo filho do meio. Os outros dois entreolharam-se e abaixaram os olhos sem saber o que dizer até que o mais velho explicou que ele não queria vê-la. Jan disse à filha que tivesse paciência que com o tempo tudo se resolveria. Ela assentiu e foram para a porta da tenda falando todos ao mesmo tempo.
A noite chegou, adormeceram e ao acordar na manhã seguinte perceberam que o outro filho e Juan não voltaram. Zaira entristeceu-se mas o pai a consolou. Decidiram que os 2 rapazes iriam com ela para conhecer a casa de Barcelona e que depois todos voltariam e decidiriam se permaneceriam ali, no lugar de sempre ou se todos iriam viver em Barcelona, onde havia maior possibilidade de trabalho para os rapazes. Jan temiaem deixar sua tenda, mas sabia que já não tinha idade para cuidar de tudo como gostaria, e ficar com a filha seria um prazer,

Os rapazes foram com ela para Barcelona, ficaram maravilhados com a grande cidade, mas tinham que decidir em conjunto com o avô o pai e o outro irmão.

Voltaram à tenda e Jan, meio tristonho disse que o outro filho e Juan não aceitavam a volta de Zaira. Ficou decidido que ela permaneceria em Barcelona até que a situação mudasse. O pai e os filhos a visitariam quando quisessem.

Mas as coisas não mudaram. Os anos se passaram e Zaira tinha que se contentar com as visitas da família e com suas idas à tenda sempre amargadas pela ausência de Juan e do outro filho. Ela os entendia, mas a culpa que sentia a deixavam muito deprimida. Só a presença do pai e dos filhos era capaz de consolá-la.

Às vezes eles passavam até 3 semanas sem visitá la. E foi em uma dessas visitas que os dois rapazes chegaram à casa de Barcelona e encontraram Zaira, agora aos 56 anos morta, sentada em sua cadeira de balanço com um livro aberto no colo. 

A nossa ela agitou-se com as últimas cenas e Sonia resolveu chama-la de volta. Ela retomou as energias, levantou-se e foi sentar-se diante de Sonia, disposta a finalmente falar de si mesma.
      

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Regressão Parte II

No 7º dia que George estava instalado lá, Mildred resolveu chama-lo para sua caminhada na praia. Ele que vivera esses dias como um encantado que obedecia ordens enquanto deslumbrava-se com sua deusa, sorriu finalmente.
E andaram em silêncio pela orla enquanto o vento gelado fazia voar os cachos de fogo de Mildred.
George não se atreveu a dizer palavra e nem notou os olhares por trás das janelas dos moradores da vila.
Mildred porém estava alerta quanto a uma pequena janela da casa anexa à igreja. E gostava de imaginar as lágrimas da menina por trás dela.
O passeio se repetiu por mais alguns dias em silêncio, até que em uma noite Mildred disse:
- Gosto que respeite o meu silêncio.
- Para mim senhorita, estar ao seu lado basta. Não percebe meus sentimentos?
- Que sentimentos? disse ela com cinismo.
-Senhorita eu a amo desde o primeiro dia que a vi quando ainda éramos crianças.
Fingindo surpresa Mildred disse:
- Minhas preces foram ouvidas! Sou amada pelo mais belo rapaz da vila! e jogou-se sobre ele em um abraço.
Naquela noite ele não dormiu no alpendre. E toda a vila percebeu.
O pai de George virava o rosto quando o avistava. A mãe o observava de longe,com tristeza. Os irmãos não tinham autorização para dirigir-se a ele e obedeciam com medo da reação do pai.
George nunca mais foi às reuniões da igreja onde uma tristonha Mary cuidava dos afazeres do culto,de sua casa e nada mais. A menina passava os dia fechada em seu quarto olhando o nada ou os visitantes noturnos da praia.
Mildred, que não tinha parentes vivos a quem dar satisfações, sentia-se à vontade para ir onde quisesse, inclusive à igreja.
George estava cada vez mais apaixonado. Fazia todas as vontades de Mildred e nem notava que ela pouco se interessava por ele. E assim foi por quase um ano.
Porém, em determinado momento, os excessos de cuidados dele, sua simples presença começaram a incomodá-la. Ela sentia falta da vida solitária de antes com a qual estava tão acostumada.
Além disso, o sofrimento de Mary já não lhe interessava. A moça tinha criado uma rotina de trabalho e reclusão. Deixara de ser divertido.
Mildred nunca havia almejado ter um marido, alguém que mais cedo ou mais tarde sairia daquele devaneio e começaria a lhe fazer cobranças, e antes que isso acontecesse, resolveu acabar com aquela situação.
No final do dia, quando George sentou-se par o jantar, ela disse:
- Fiz sua refeição favorita. Espero que aproveite, pois será a última.
- Como assim? Do que está falando?
-Não seja tolo George, Disse o que você ouviu! Esta é a última vez que você se senta nesta mesa. Amanhã pela manhã quero que deixe minha casa.
- Mas porque está fazendo isso? Não tenho feito tudo que posso? Não lhe dou todo o meu amor?
- Sim! Seu trabalho foi muito útil, mas agora é desnecessário.Gosto de viver sozinha e sinto falta disso. Quanto a amor... eu nunca pedi isso!
- Mas amor não se pede, se conquista!
- Pode ser George. Mas vejamos, você me ama. E o que eu tenho com isso? No dia que você apareceu aqui, o que lhe ofereci foi trabalho e hospitalidade. Além disso você está me obrigando a fazer algo que detesto: dar explicações! Por favor, deixe de ser ridículo, arrume suas coisas e saia pela manhã, como um homem!
Disse isso e saiu.
George passou aquela noite sentado ali, com a cabeça entre as mãos,atônito. Pela manhã, saiu sem saber direito o que fazer. Foi até a praia e sentou-se olhando para o horizonte. Nem percebeu o irmão que se aproximou  e disse: O que faz aqui a esta hora?
- George, olhos perdidos voltou-se e disse:
-Ronald! Há quanto tempo! E abraçou-se  ao irmão chorando.
- O que houve George.
E George contou-lhe. O irmão ouviu sem dizer nada apenas pensando em tudo que o irmão havia enfrentado para ter aquela mulher.
E George continuou:
- E agora não sei o que fazer. Nunca saímos daqui, não é? Não tenho como sair da vila, não tenho recursos. Minha única saída é procurar papai.
- Não sei se é uma boa ideia George, papai realmente não concorda com você.
Enquanto falavam, Ronald viu Mildred abrir a porta de sua casa, e disse ao irmão:
- Vamos sair daqui.
George estava decidido a voltar para a casa dos pais, Ronald pediu-lhe que primeiro deixasse que ele entrasse para preparar o terreno. E assim foi. Em minutos chamou George que entrou e abraçou a mãe. Contou-lhe o que aconteceu. Conversaram longamente e decidiram que juntos convenceriam o pai.  Ao chegar, o pai não gostou nada de ver o filho ali e já iniciou uma discussão. Ao final, George percebeu que na verdade, a maior preocupação do pai, foi a quebra do compromisso com o pastor e sua Mary, e prometeu ao pai que se pudesse contar com seu apoio, retomaria seu compromisso e o pai aceitou a ideia com entusiasmo.
No dia seguinte, George e o pai procuraram o pastor e falaram da intenção do filho. Ouviram um grande sermão , mas ao final, houve concordância, já que a tristeza de Mary preocupava o pai e ele sabia que a volta de George a faria feliz.
E foi o que aconteceu. George e Mary casaram-se meses depois. Ela muito feliz, ele apático para sempre, observando a felicidade de Mildred a distância até que alguns anos depois ela teve que deixar a vila pois corria o risco de ser acusada de bruxaria por criar medicamentos com as ervas. Era um período de intolerância e algum tempo depois, houve boatos de que havia sido morta pela inquisição.

Ela ouviu ao longe a voz de Sonia que dizia:
-Agora pode voltar ao normal, devagar, respire. E quando estiver pronta, pode se levantar.
Ela levantou-se e foi sentar na cadeira em frente à terapeuta, ainda espantada com tudo o que ouvira.
Sonia perguntou o que achara mas ela mais uma vez esquivou-se de fornecer pistas e apenas disse:
-Gostei sim, é possível fazer outra sessão?
- Claro, enquanto você sentir necessidade, podemos repetir o processo, mas pense em dar alguma informação ao seu respeito. E sorriu.
- Então fica assim, fazemos outra sessão e depois te digo algo sobre mi,
- Ok, marque com a secretária.

Ela marcou a sessão par dali a 15 dias. Saiu do consultório pensando no que ouvira e vira, pois enquanto Sonia falava ela podia dizer que via as imagens passarem na frente de seus olhos fechados, era como se estivesse revivendo a história. Na próxima sessão, prometeu a si mesma que após a regressão discutiria o assunto com Sonia e esclareceria suas suspeitas.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Parte 1

Como disse no post anterior, segue agora a primeira parte da primeira sessão de regressão de ela.

A voz de Sonia orientando a respiração foi trazendo calma e tranquilidade. Foram poucos minutos, sempre com a agradável sensação de envolvimento das luzes coloridas.

Em seguida,Sonia começou a falar:

- Uma praia com muitas pedras. Há muito tempo. Século XVII. Inglaterra.

A pequena vila litorânea tinha uma paisagem bela e selvagem. O mar batia forte nas rochas devolvendo as águas revoltas à praia em grandes ondas geladas.

O frio era intenso e a vida das pessoas corria ao sabor das estações, sem grandes alterações, embora o país estivesse fervilhando em uma revolução.

Mildred era uma linda jovem de longos cabelos ruivos que caiam pelas costas em caracóis. Vivia sozinha. O pai havia morrido em uma expedição de pesca e a mãe não suportara a perda do marido morrendo "de tristeza" como diziam,  logo depois.

Naquele tempo de lutas e violência fácil, muitas mulheres viviam sozinhas e isto não chamava a atenção.

Mildred ganhava seu sustento transformando ervas e folhas em medicamentos para todos os males. Aprendera o ofício com a avó.

Na vila havia mais 15 famílias, cujas casas distanciavam-se apenas alguns metros, o suficiente para manter alguma privacidade e manter os poucos animais.

Mildred acostumada à vida solitária e à concentração necessária para a produção dos medicamentos, relacionava-se pouco com os vizinhos, limitando-se a atendê-los quando buscavam sua ajuda e em poucos momentos da vida cotidiana.

Mas era observada.

George, vivia com os pais e seis irmãos todos homens e belos. Jovens mas trabalhadores. Era prometido de Mary, a  menina filha do líder religioso da vila.

George acostumara-se à ideia de que um dia se casaria com Mary, porém a visão diária de Mildred indo e vindo até a mata, macerando as ervas no pilão ou simplesmente caminhando no fim do dia pela praia o deixavam perturbado.

Sonhava com seus cabelos de fogo, seu porte altivo, decorava seus passos do dia à dia. Gostaria muito de falar com ela e aguardava ansioso por uma oportunidade.

E o dia chegou. Em uma tarde gelada o irmão mais jovem de George, Gilbert apareceu com uma febre alta e muita tosse. Sua mãe pediu a ele que fosse à casa de Mildred e pedisse o medicamento adequado.

George mal conseguiu conter a alegria.

Passou as mãos pelos cabelos, ajeitou as roupas e correu até a casa de Mildred.

Ela estava trabalhando no pilão e a imagem de seus cabelos esvoaçando quando ele a chamou, quase o fizeram esquecer do que fora fazer ali.

Começou a falar gaguejando e desconexo, não conseguia explicar ao certo do que precisava.

Mildred sem muita paciência ainda tentou esclarecer as coisas, mas desistiu e preferiu acompanhá-lo até em casa para ver o que se passava com Gilbert.

Lá, depois de definir o que seria necessário e recomendar que controlassem a febre com panos limpos encharcados em água do mar, disse à mãe dos garotos que o remédio estaria pronto no dia seguinte no início da tarde.

E assim como veio, indiferente ao desespero de George, saiu, mas não sem sorrir para si mesma ao lembrar-se do jeito desajeitado do rapaz.

Na manhã seguinte, após tomar uma xícara de chá, saiu para colher as ervas.

Na entrada da mata,quase por reflexo, percebeu a presença de George empoleirado no portão de sua casa para conseguir vê-la como sempre. Balançou a cabeça sorrindo achando graça. Já notara o interesse do noivo de Mary e isso lhe trazia um misto de orgulho e desejo de experimentar uma disputa com a jovem e bela filha do pastor. E naquela manhã enquanto terminava seu trabalho, decidiu que iria apostar na brincadeira.

Tinha certeza de que seria George que viria buscar o remédio, então resolveu arrumar-se mais do que o habitual. Colocou seu vestido mais belo, de um verde esmeralda que destacava ainda mais a cor de seus cabelos.Beliscou as faces, soltou os cabelos e aguardou, ciente de sua extrema beleza.

E no primeiro minuto do início da tarde, George tocou o sino de sua porta. Desta vez, ela não o atendeu na porta como fazia com todos,convidou-o a entrar enquanto embalava o remédio e dava as explicações necessárias sobre seu uso.Caprichou em movimentos leves e sedutores diante do rapaz que mal podia respirar. Ao final das explicações, olhou bem dentro dos olhos dele e disse que se houvesse dúvidas, voltasse para esclarecê-las.

Diante da paralisia do rapaz acrescentou: - Agora vá sr.Watson (era o nome de família), sua mãe deve estar ansiosa.

George sobressaltou-se como se acordasse de um sonho e balbuciou:- pode me chamar de George srta Taylor, deixe Watson para meu pai.

Mildred, lânguida respondeu: - George? Belo nome! E fez um ar de encantamento.

George encantado com as palavras, saiu aos tropeços dizendo palavras de agradecimento.

Gilbert foi medicado e recuperou-se em poucas horas.A sra Watson, feliz e agradecida disse ao filho: - George, acho que devemos oferecer à srta Taylor uma cesta de frutas pelo bem que fez ao seu irmão.

- Como queira mamãe. Disse George já agradecendo mentalmente a Deus pela nova chance .

E três dias depois do último encontro,lá estava George na porta de Mildred com uma linda cesta de frutas e flores arrumadas por sua mãe.

Desta vez não precisou tocar. Mildred estava lá fora pendurando roupas. Ao vê-lo apenas acenou com a cabeça para que entrasse. E ele, trôpego foi até ela..

George explicou o motivo da visita enquanto Mildred o olhava diretamente deixando-o ainda mais sem graça e confuso.

Como resposta ela apenas pegou uma das frutas mordeu-a e disse: - Deliciosa. Fico feliz que seu irmão esteja bem sr.... quer dizer, George.

- Sim srta Taylor, minha mãe ficou muito agradecida.

- Pode me chamar de Mildred meu caro.

George respirou fundo e disse:

- Obrigada srta, é muita honra. Eu .. eu gostaria de fazer uma pergunta. Gostaria de saber se poderia acompanha-la em sua caminhada noturna na praia.um dia desses. Poderíamos conversar um pouco, poderia me falar de suas habilidades com as ervas.... 

- Não George, não poderia. Mary e o pastor não aprovariam. Você sabe o que dizem, que sou estranha, não procuro as pessoas. Além disso, Mary é sua noiva!

- Me perdoe senhorita se fui muito ousado.

- Não, não foi ousado, apenas se esqueceu das regras básicas.O senhor é um rapaz comprometido.

E Mildred disse isso com ar de tristeza para o desespero de George que entendeu a mensagem como um sinal de aceitação caso não fosse noivo.

Ele desculpou-se várias vezes e foi embora. Nos dias seguintes, a cada visão de Mildred tinha mais certeza de que a queria para si e que para isso teria que desfazer-se do compromisso com o pastor e sua filha. Aquilo lhe deu uma coragem que desconhecia. E ao final do culto do domingo pediu para falar a sós com o religioso e contou a ele sobre sua decisão. O discurso interminável e raivoso era esperado. E o pastor ficou ainda mais irritado ao saber que os pais do rapaz ainda não haviam sido informados. Como George ousava desfazer um compromisso entre as famílias sem autorização deles! Mas decidiu que isso agora era problema de George. Chamou a filha até a sala e na presença do rapaz, contou-lhe o que estava acontecendo. Os jovens olhos azuis de Mary encheram-se de lágrimas mas ela não disse nada. Aguardou que o pai a autorizasse a sair e correu para casa. No caminho não pode deixar de notar  ao longe, Mildred conversando com um grupo de senhoras. E não podia definir se o que sentia era dor ou raiva.Seu coração parecia quebrado em mil pedaços. Em casa, trancou-se no quarto e atirou-se na cama e chorando muito decidiu que não aceitaria nenhum outro pretendente que o pai determinasse. Viveria só pelo resto da vida.

Em um lugarejo tão pequeno as notícias voam e quando chegou em casa, George já era esperado pelos pais cheios de perguntas e recriminações. A mãe chorava muito e o pai insistia em um discurso moralista. Falava de sua decepção por perder uma nora casta e de boa família e a cada sinal de que a decisão de George era definitiva, mais revoltado ficava o sr Watson até culminar na expulsão de George daquela casa.

George estava tão envolvido com seus sentimentos que não pensou duas vezes. Pegou algumas roupas despediu-se da mãe e saiu.

A vila não tinha moradias desocupadas. Havia como abrigo, apenas os restos de um velho celeiro incendiado há alguns anos. E foi lá que George largou sua trouxa e improvisou uma cama de feno. Em seguida saiu em busca de gravetos e lenha para fazer uma fogueira antes do anoitecer..

Os novos acontecimentos já haviam chegado aos ouvidos de Mildred. E ela, apenas ela, sabia dos motivos das atitudes de George. E sorria vitoriosa, imaginando quanto tempo aquele rapaz tão tolo levaria para procura-la.

Não demorou muito. Na manhã do dia seguinte, um George meio amarrotado pelas acomodações improvisadas e um tanto ruborizado batia a sua porta.

Mildred abriu a porta e fez cara de surpresa, dizendo um "George" doce e sensual.

George não se conteve e foi logo dizendo: - Srta. acredito que já conheça as novidades, assim vim refazer meu pedido para acompanha-la em seus passeios.

- Bem, como o senhor disse, diante das novidades isso seria possível, se o senhor tivesse uma aparência mais bem cuidada. Mildred disso isso olhando-o de cima a baixo com ares de desdém.

-Senhorita, me perdoe se não estou adequadamente vestido para me apresentar aqui,mas é que minhas novas condições...

- Está com fome George, disse Mildred interrompendo o rapaz.

- Ahn.... confesso que sim senhorita.

-Sente-se aí no alpendre que vou buscar algo para comer.

Ele obedeceu ainda meio confuso. Mildred voltou logo com a caneca de chá e um pedaço de pão. Sentou-se ao seu lado e disse: - Coma e depois se quiser pode usar a tina perto do pilão para um banho. E se quiser, pode dormir no alpendre enquanto não constroi uma moradia decente ou decide o que fazer.

- Tem certeza senhorita. Não vou incomodá-la?

- Se incomodasse eu não ofereceria. Preciso de ajuda com o corte de lenha e o carregamento de água lá da fonte. Se aceitar, estas tarefas serão a forma de pagamento pela hospedagem e pela comida.

- Ótimo senhorita.

- Mildred! ela disse

- Sim, Mildred, permita-me. E George pegou suas mãos e beijou-as.

Mildred as puxou rapidamente e disse:

- Então comece. Estou sem lenha para o jantar.   

sábado, 25 de setembro de 2010

Aos seguidores do Paz e Tal

Olá pessoas!

Depois de um pequeno intervalo estou de volta, para mexer um pouquinho mais na história de Lucas e ela.

Para esclarecer (alguns já sabem), ela não tem um nome, porque a personagem é uma coleção de histórias reais de mulheres que conheci como amigas e até profissionalmente.

A história em si é verdadeira, e como pude constatar pelos comentários que recebi, retrata histórias de muitos homens e mulheres.

Como vocês se lembram, durante todo o período em que conviveu com Lucas,ela, ao contrário dele, nunca deixou de estudar,de aprender, de buscar conhecimento especialmente sobre si mesma. E nesta busca, muitas descobertas foram feitas sobre a relação dos dois e sobre a participação de muitos outros personagens.

Entre todos os caminhos que ela percorreu, decidi contar um dos mais interessantes (ao menos ao meu ver), as informações que recebeu sobre vidas passadas.

Relutei em falar no assunto, por conta da novela das 6 que terminou neste final de semana, pois muitos pensariam que eu estaria copiando o tema.

Mas depois, decidi não me importar com as opiniões negativas e falar sobre este tema que para mim, Patrícia é muito intrigante.

Para isso, vou me valer da continuação, digamos, paralela da história de nosso casal Lucas e ela.

Vamos lá:

Já havia algum tempo que ela lera sobre Regressão à Vidas Passadas.

O tema parecia muito interessante, mas estranhava que a maioria dos relatos contava estónias de reis, rainhas, figuras importantes em geral. Tá certo que há poucos anos, muitos tinham títulos nobres, mas achava que era gente nobre demais.

Ela também questionava se o processo não poderia ser fruto de hipnose ou de histerias, neuroses... ou até mesmo um imenso desejo da pessoa submetida à técnica de criar uma história interessante para si.

Sabia que não era uma pessoa "hipnotizável", pois durante um curso que fizera há algum tempo isto ficou comprovado. Sua curiosidade e senso crítico impediam.
 
Gostaria muito de encontrar um meio de entender e até passar pelo processo regressivo de uma forma que lhe parecesse mais confiável, pois tinha "visões" de memórias antigas que não compreendia e mas que lhe pareciam ter algum significado.

Por exemplo sua paixão desmedida pela Escócia e pelo Reino Unido em geral. Seria apenas admiração? Curiosidade? Não. O que sentia era saudade. Mas como alguém podia sentir saudade de um lugar que não conhecia???? Estaria enlouquecendo?

E foi neste contexto angustiante, que certo dia recebeu um telefonema de uma amiga a quem não via há muito tempo.

Lélia era uma daquelas amigas antigas dos tempos de ginásio, mas hoje morava em um bairro distante e a correria do dia a dia as afastou.Falavam-se de vez em quando por telefone.

- Alô, ela atendeu.
- Olá querida, sou eu!
- Lélia! que milagre é este? Que saudade! Pensei em você ontem!
- E você ainda não se acostumou com nossa sintonia? sorriu.

Era verdade. Entre as duas havia uma espécie de comunicação telepática. Se uma pensava na outra, bastava aguardar o telefone tocar. Se uma fazia um bolo que sabia que a outra gostava, lá vinha um telefonema perguntando: adivinha o que fiz hoje? Seu bolo favorito! Era incrível.

Lélia era pedagoga, bem sucedida, crente na ciência e sua objetividade. Mas estava preocupada e assustada, além de brava,com uma experiência da irmã, 3 anos mais nova que havia se submetido a uma regressão. Procurava por ela agora, pois sabia de seu interesse pelo assunto e queria sua opinião.

- Não vou me acostumar nunca! E aí? Como vai?
- Olha amiga, muito preocupada viu?
- Porque? O que houve?
- A Lívia! Essa minha irmã viu? Só me dá dor de cabeça. Fez uma tal de regressão às vidas passadas e está numa depressão desde então que está me deixando muito preocupada! Por isso te liguei. O que você acha disso? Que que eu posso fazer?
- Tá, mas o que a deixou assim? Ela contou?
- Então, ela não fala direito, mas disse que a tal mulher que fez a regressão, disse que ela matou meu pai na outra vida! E que ele morreu pensando que nunca mais gostaria de ter contato com ela! Aí já viu né? Ela acha que ele não ficou conosco por causa disso! Pode? Ai que raiva!

(O pai de Lélia e Lívia havia abandonado a família logo após o nascimento da caçula. )

- Nossa,deve ser terrível pensar assim! Mas não estou entendendo uma coisa: você disse que a mulher foi quem disse isso à ela? Como assim? Que eu saiba, quem fala as coisas é quem regride, não o terapeuta!
- Ah! é que disse que essa mulher faz um trabalho diferente. Ela regride no lugar da pessoa e vai contando a tal história passada. E minha irmã que foi em busca de alívio, tá lá, parecendo um bebê chorão! Que que eu faço?

Na cabeça de ela uma luz se acendeu!

 Um trabalho diferente do que conhecia!

 Quem sabe não era o caminho?

 Mas antes, precisava tentar ajudar as amigas.

-Lélia, acho que você tem que ficar de olho nela. Se esta depressão não passar ou parecer piorar,acho que é o caso de buscar ajuda de um psicólogo, um psiquiatra, sei lá! Pode até ser perigoso. Na sua escola não tem psicólogo?
- É mesmo,tem sim.Só não sei se quero misturar as coisas.
- Tá mas ao menos você pode pedir a ele que indique um colega.
- É,vou fazer isso mesmo. Amanhã vou procurá-la e pedir uma indicação. Acredita que a Livia nem foi trabalhar hoje? Arrumou uma desculpa pro chefe e ficou o dia todo igual um zumbi, chorando no quarto!
- Então procure ajuda mesmo. Mas, vem cá! Você tem algum prospecto dessa mulher, sabe o endereço?
-Porque?
-Fiquei interessada sobre o tipo de trabalho dela, gostaria de saber mais. Se tiver, não quer me mandar?
- Tá, tem um panfleto aqui que eu vi, com nome e endereço e umas explicações. Posso por no correio amanhã.
-Jura? Que legal! Manda sim! Tô curiosa.
- Querida, te agradeço muito pela luz! Vou ter que desligar porque ainda trabalho hoje e quero ver se troco umas palavrinhas com a chorona antes de ir, tá? Vê se não some! Me liga! Beijos!
- Qualquer hora dessas ligo sim. Dá um beijo na Lívia por mim. Tchau!

Não se falaram mais por 3 longos anos!

Ela desligou já ansiosíssima para receber a correspondência,que chegaria 3 dias depois.

O envelope foi aberto com uma rapidez enlouquecida, mas o conteúdo dizia pouco.Apenas o nome do espaço : "Ânfora", o nome da terapeuta :Sandra Vilela, o endereço em um bairro chique e bastante distante e os dizeres: Conheça suas vidas passadas através da terapia transpessoal. Regressão por captação.

Ela ficou muito curiosa. O que viria a ser aquilo?

No dia seguinte, arrumou um tempo e correu para uma biblioteca de uma grande universidade.

 Procurou nos catálogos de assunto, mas achou muito pouca coisa.

 Entre os livros havia um de um cardiologista que explicava o que vinha a ser a tal captação.

 E ela descobriu que neste método, o paciente apenas procura ficar num estado de relaxamento total, enquanto o terapeuta, que é também um "sensitivo", capta sua energia e com isso começa a descrever cenas e lugares da vida passada do cliente.

 Ao término da sessão, ambos sentam-se e conversam a respeito das descobertas feitas.

 O livro também falava da indicação da captação e da regressão para a solução de problemas atuais como fobias, neuroses e até problemas físicos como dores inexplicáveis por exemplo. Mas, o interesse de ela era sobre sua história anterior e não a cura de doenças, que preferia deixar por conta da medicina.

O coração dela batia como um tambor! Fez o caminho para casa automaticamente, pensava mil coisas ao mesmo tempo.

Era um achado!

 Uma das preocupações dela em fazer uma regressão,é que deixasse suas fantasias fluírem e descrevesse justamente aquelas situações e lugares dos quais tinha a ta l"saudade" inexplicável, o que a faria desacreditar totalmente do processo.

Mas agora,a possibilidade de que alguém que não a conhecia falasse de seu passado, tornava tudo diferente e surpreendente, mesmo porque, jamais havia falado dessas "lembranças" com absolutamente ninguém,com medo de ser considerada louca..

 Será que a terapeuta falaria dessas mesmas coisas? Só pagando prá ver!

Ligou imediatamente pro tal lugar e foi atendida pela secretária.

 O primeiro horário disponível era para dali há 3 meses!

Ela pediu, implorou, disse que era um caso urgentíssimo e que não poderia esperar tanto tempo (ela teria um ataque de nervos!).

 A secretária disse que não podia fazer nada de imediato,mas que conversaria com a chefe e ligaria de volta, mas adiantou que não era hábito, arrumar horários extra.

 Ela informou-se sobre o preço e tentou agir com naturalidade e sem discutir, mas era um valor muito alto para seus padrões. Mas teria que dar um jeito! Afinal,era a realização de um desejo incômodo e antigo.

Dois dias depois, ela recebeu o telefonema tão esperado.

 A secretária arrumara um horário para o dia seguinte à 8 da manhã.

Ela não discutiu e aceitou a proposta embora,pela distância, sabia que seria complicado chegar lá no horário.

Mas, antes das oito, estava diante do sobrado branco,com uma discreta placa na frente: "Espaço Ânfora".

Tocou a campainha e entrou.

A secretária pediu que aguardasse na recepção enquanto avisava a terapeuta de sua chegada, explicando que o horário normal de funcionamento era a partir das nove,e que tivera sorte de se tornar uma exceção.

Ela sorriu, agradeceu e aguardou com a respiração suspensa.

Em minutos, a moça voltou e pediu que entrasse.

Sonia,a terapeuta,era uma mulher de seus 40 e poucos anos,cabelos negros nos ombros, sem maquiagem ou enfeites e com um sorriso suave e simpático. Estendeu-lhe as mãos, apresentou-se e apontou a cadeira convidando-a a sentar-se.

O lugar era simples. Duas poltronas iguais, uma espécie de cama ou maca grande e de aparência confortável.

 Quase tudo era branco ou muito claro. As cores vinham de vários painéis de lâmpadas coloridas direcionadas para a cama e que ela sabia, tratarem-se de instrumentos de cromoterapia.

Sonia começou dizendo:

-Fale-me um pouco sobre você. Como nos conheceu, o que espera de meu trabalho?

- Olha Sonia, sei que vai te parecer estranho. Quero te agradecer muito pelo horário. Mas tenho uma condição para que façamos esta regressão. Eu vou te pagar independente do resultado,  mas não pretendo dar nenhuma informação ao meu respeito além do meu nome. Será a única forma de eu acreditar no que você me disser.

- Interessante... não costumo trabalhar desta forma. Em geral, nesta primeira visita as pessoas tem muitas coisas a dizer e muitas perguntas também.

- Não tenho perguntas porque pesquisei antes sobre o tipo de trabalho que você faz.

- Mas não gostaria ao menos de dizer os motivos que a trazem aqui? Ao menos sobre os motivos de tanta urgência.

- Não Sonia, lamento, mas preciso que você aceite minhas condições.

- É que se você me falasse dos motivos, poderíamos direcionar sua regressão à vida ou vidas que pudessem te ajudar, afinal, vivemos milhares de vezes!

- É justamente o que não quero, um direcionamento.
..
- Está certo, aceito suas condições. Vamos começar?

- Vamos lá!

E Sonia explicou à ela, que ficaria deitada na cama, que procurasse respirar suavemente e que enquanto durasse a sessão, receberia as energias calmantes das luzes da cromoterapia. Que se quisesse fechar os olhos, seria melhor, para que não se distraísse da própria respiração e das palavras que Sonia diria ao descrever a vida que captasse. Disse ainda que poderia pedir que interrompesse a sessão a qualquer momento se achasse necessário, ou então que a deixasse fluir até que ela, Sonia determinasse o momento de parar. Disse que o tempo estimado era de uma hora e que depois conversariam a respeito e sanariam dúvidas.

E ela deitou-se na maca e seguindo as instruções de Sonia, respirou primeiro profundamente algumas vezes e depois com tranquilidade.

 Sonia acionou as lâmpadas  e voltou para sua cadeira onde ficou em silêncio por alguns segundos até começar a narrar a história passada dela.

Por hoje é isso pessoas. Os próximos posts descreverão o conteúdo das sessões de regressão de nossa querida ela.

 Aguardem.

domingo, 5 de setembro de 2010

Capítulo 9 - Fim

Ainda foi preciso muito tempo até que a raiva se transformasse em aprendizado, em auto-conhecimento.

Foram horas de conversas com amigos, de reflexão e de auxílio da sabedoria e serenidade de Miguel e Ling.

Muitas vezes ela se revoltava com a própria ingenuidade, a própria capacidade de viver o que não havia.

Até que se tornasse o próprio alvo foram 3 anos! Neste tempo, com a ajuda de Miguel que a levou pela mão como um anjo guardião, teve o cuidado de não dirigir sua raiva à ninguém, Para isso valeu de tudo até técnicas antigas como grito primal ou um treino de boxe! Mas valeu. Foi em busca de abrir espaço para outros namoros em sua vida, sem comparações, apenas buscando sentir o que cada um tinha a oferecer.E fez isso de uma maneira curiosa. Pisou primeiro em terrenos confortáveis, pessoas que já conhecia antes.Amigos de longa data que tinham sido apaixonados por ela, mas aos quais nunca enxergara. Os relacionamentos terminavam, mas continuavam amigos, o que sempre haviam sido.

 Diferente do que Lucas havia dito. Na verdade, Lucas nunca tinha sido seu amigo ou de qualquer outra pessoa. Ele, simplesmente não existia! Era um ser construído em bases frágeis, fantasiosas mas muito bem arquitetadas, tanto é, que muitos amigos de infância, inclusive Maura ainda o adoravam e provavelmente nunca descobririam o que realmente ele era, um excelente ator.  A maior angústia era saber que não podia fazer nada por eles. Chegar e contar a verdade não funcionaria. Além de não acreditarem, pensariam que se tratava de uma manifestação de mágoa ou de vingança. Teria que permitir que fizessem a própria jornada, e rezar para que não fossem prejudicados.

Depois vieram pessoas novas. Para ela, situações complicadas, que traziam sensações como as de uma adolescentes, afinal, eram terrenos inexplorados, pessoas que só iam conhece-la a partir daquele momento. E o que achariam?

Para sua surpresa, todos a consideravam uma pessoa interessante e se afeiçoavam. Ela, tinha esperança de que um dia estaria realmente livre e disposta a construir uma relação sólida e duradoura.

Ainda tinha ao que se dedicar para atingir este estágio. Seus estudos filosóficos e religiosos durante a "era Lucas" tinham lhe trazido alertas aos quais não dera ouvidos. Precisava se certificar deles agora. Tinha tempo, a vida só acaba quando termina.

Mas hoje, não era dia para reflexões, era dia de colher os louros da vitória contra si mesma.

Olhou-se mais uma vez no espelho e gostou do que viu. Saiu apressada, prá variar estava em cima da hora.

Surpreendeu-se com o número de pessoas ali presentes, e com os olhares sorridentes que se voltaram para ela.

Sentou-se na mesa após cumprimentar a todos e começou a autografar o livro que todos os da fila traziam nas mãos.

A sensação era maravilhosa. Elogios, votos de sucesso. E ela sem poder acreditar que tudo aquilo estava acontecendo!

O próximo livro veio acompanhado de uma mão muito conhecida. Miguel! Seguido claro, por Ling.

Ela levantou-se para um grande abraço nos amigos (que sempre ficavam ruborizados com esta atitude tão típica dela e inusitada para eles), e disse: - Leram a epígrafe?

Miguel respondeu: - Ainda não.   E folheou as primeiras folhas até encontra-la. E lá dizia

"O amor nunca termina, apenas muda de alvo"

Miguel, Ling e ela viram rolar de seus olhos, uma lágrima de ternura,  paz e tal....

domingo, 29 de agosto de 2010

Capítulo 8 - Desconstruindo o Mito

Foram tempos muito duros.

Se de um lado, ela quisesse muito manter aquela situação que sonhara eterna e como uma menina, esperava que em algum momento se transformaria num lindo conto de fadas, por outro a cada dia sua consciência e maturidade não permitiam que continuasse em um devaneio, sem nenhum vestígio de realidade e objetividade.

Desde aquela noite, Lucas passou a falar em monossílabos. "Esquecia" de marcar o horário em que ela o encontraria na estação e quando ela chegava em casa ele nunca estava lá. Lucas recusava-se a fazer qualquer tipo de coisa de que antes parecia gostar.

Ela ficava cada vez mais angustiada. E suas lembranças transformaram-se em uma vilã implacável. Parecia um filme descontrolado que vagava por seus pensamentos insistindo para que finalmente raciocinasse sobre tantas situações estranhas ou obscuras.

Lembrou-se de conversas que teve com a mãe de Lucas. Dona Jane, falava de como não entendia o que havia acontecido com os filhos. Os dois mais velhos, que ao saírem da universidade conseguiram excelentes empregos em grandes empresas e lá ficaram por muitos anos, até que fossem mandados embora nas fases ruins do mercado no começo dos anos 80. Daí em diante, nunca mais conseguiram trabalho, faliram, um entregou-se ao alcool, perdeu a família. O outro transformou-se em um ser inerte, sentado eternamente em frente à TV, dependente do trabalho da esposa. E Lucas, que segundo a mãe dera muito trabalho quando criança, era dependente e mimado, com tendências à birra. Dona Jane dissera-lhe uma vez: - Será que vale a pena? Você não acha que deveria ter construído uma família prá você, ter filhos.... Ela surpreendeu-se com o comentário e respondeu que o amava muito e esperaria o quanto fosse preciso para tê-lo só prá si. Dona Jane voltou a fazer um comentário surpreendente: acho que não compensa.

Era difícil admitir, mas raramente as mães falavam coisas assim de um filho que valesse à pena.

O que ela não enxergava? Teria vivido uma fantasia toda sua vida?

Continuava a vasculhar a memória sobre os acontecimentos desde a adolescência. E as descobertas vinham aos montes. Por exemplo: a mania que Lucas tinha de nunca terminar uma canção, tinha o único objetivo de fazer com que as pessoas protestassem e afirmassem assim que o admiravam! As frases "fantásticas" e os gestos elaborados eram com certeza tirados de livros e filmes que ele assistira e adotava como comportamentos próprios.

Lembrou-se também de algo para o que não havia dado atenção na época certa. Lucas fora expulso da casa de Sonia pela sogra, que afinal era a dona da casa. E isto a fez lembrar também que Lucas, quando repentinamente casou-se com Sonia, tinha um motivo a mais além de um amor ou uma decisão consciente. Menos de um mês antes do casamento, teve uma briga com o pai que o mandou embora de casa. Ou seja, estava a procura de abrigo....

A tristeza que as lembranças traziam, juntou-se ao desconforto de não se sentir mais bem vinda naquela casa que prá ela era seu castelo, seu ninho de aconchego.

Em uma tarde, ao chegar na casa de Lucas depois do trabalho, encontrou-o passando uma camisa nova, perfumado, como se fosse sair.

Perguntou: Vai a algum lugar?
Lucas respondeu: Não vou ficar por aqui mesmo, estou cansado e quero dormir.
-Ah, tudo bem, vou fazer algo prá nós. Ela disse isso e já entrou na cozinha. Sobre a mesa, estavam os ingredientes e as vasilhas que ele usava para fazer pizzas. E perguntou: Lu? Você vai fazer pizza?
- Não sei, agora eu vou dormir.
- Vou tomar um banho então, ela disse.
- Não. Acho melhor você ir embora, quero ficar sozinho.
- Lu, vamos conversar... O que tá acontecendo? Você não liga mais, não me quer aqui. Eu nunca sei se devo vir, estou confusa.
- Está confusa porque quer. Você não tem mais nada prá fazer aqui, acabou....Foi bom enquanto durou.
- Lu.. você tá terminando comigo? Não pode ser isso. Vou deixar você sossegado hoje. Pensa, volto amanhã prá conversar.
- Não, você não vai voltar. Só o dia que entender que somos apenas amigos. Aliás, sempre foi só isso.
- Lu, não acredito no que estou ouvindo! Foram 30 anos... de amizade? E minha vida, minha dedicação.
- Tudo o que você fez, foi escolha sua....e por favor, vá embora na boa, porque quero descansar para receber uma amiga que vem comer uma pizza comigo hoje.

Ela perdeu a fala. Saiu sem dizer nada e antes de alcançar a rua já chorava copiosamente.
Passou aquela noite em desespero, fazendo-se milhões de perguntas sobre o que estava acontecendo, o que havia feito de sua vida.

Na manhã seguinte, ainda trêmula, resolveu recorrer ao amigo mais querido e sábio, Mestre Miguel. Telefonou ao mosteiro e quando ele atendeu com o doce alô de sempre, ela caiu em prantos novamente e mau conseguia contar o que estava se passando. Miguel ouviu o relato da amiga com atenção e perguntou o que poderia fazer. Ela disse que não sabia, que havia ligado porque precisava falar com alguém em que confiasse. Mas tinha uma pergunta: Miguel, será que o amor acabou? Ao que Miguel respondeu: - minha querida, o amor nunca acaba, ele apenas muda de alvo. Falaram um pouco mais, mas ela já não ouvia mais nada, a frase de Miguel ressoava em sua mente, insistentemente.

Ela perguntava-se como  Miguel podia dizer aquilo! Se o amor muda de alvo, como fica o alvo antigo? Era injusto.

Sua angústia continuou ainda por muito tempo. Tentava falar com Lucas por telefone, mas ele já não a atendia mais. Perguntava aos amigos que se esquivavam da conversa. Até que um dia, precisou ir de trem ao centro da cidade. Na volta,  ao chegar na estação principal, de longe avistou Lucas, parado próximo às escadas, parecendo estar a espera de alguém. Posicionou-se atrás de uma coluna e decidiu esperar para ver quem era. Em segundos, viu uma mulher de vestido estranho, cabelos alvoroçados, chegar e Lucas abrir um largo sorriso ao abraçar-la dirigindo-se para a plataforma. Ela tremia, não sabia o que fazer mas resolveu seguir no mesmo trem em um vagão diferente. Ao chegar ao destino, que seria a estação em que Lucas descia, correu pelas escadas para garantir que chegaria à entrada da estação antes deles. E esperou. Quando os viu, ela estava totalmente descontrolada, e colocou-se num salto na frente dos dois. Lucas empalideceu e a mulher, não disse nada, só observou. Ela falou naqueles poucos minutos tudo o que deveria ter dito ao longo de 30 anos! De vez em quando olhava para a mulher e dizia: me desculpe mas foram muitos anos, e tenho que falar tudo agora. Lucas balbuciava algo como mas eu terminei com você, disse que estava com outra pessoa, mas ela, não ouvia, falou até que suas palavras terminaram. Olhou para os dois, disse até logo, e saiu quase correndo até a rua. Encostou-se na parede da estação para garantir que não caísse com todo aquele tremor. De onde estava, pode ver quando eles passaram do outro lado. A mulher andava olhando para Lucas que gesticulava e falava o tempo todo. Com certeza repetia infinitas frase e cenas dos filmes e livros que decorara.

Ela realmente não tinha condições de sair dali sozinha. Ligou para Sylvia e pediu que fosse buscá-la. Já entrou no carro contando o que havia acontecido. Sylvia, ansiosa perguntou: e quem era a mulher. Ela disse que não a conhecia e só foi pensar na pergunta da amiga dias depois, quando seu desespero arrefeceu.

Que pergunta estranha a de Sylvia. Resolveu ligar e esclarecer. Sylvia disse que perguntou porque havia encontrado Lucas há alguns dias e ele lhe dissera que estava em um novo relacionamento. O que ela não esperava era saber que esta nova pessoa era Maura, a antiga amiga de adolescência....O pior foi ter estado frente à frente com Maura e não reconhecê-la! Seu transtorno naquele momento era tão grande que isto aconteceu. Maura deveria estar certa de que havia enlouquecido....

Esta foi o ponto final nas dúvidas de ela. Agora tinha certeza de que perdera Lucas. Desde o dia da discussão, deixara de ser conveniente prá ele, por isso foi em busca de Maura, que sabia que o "serviria" também por muito tempo, até que, se conseguisse, o mito fosse descontruido.

Só restava à ela tentar agora desfazer o mistério das palavras de Miguel. Telefonou novamente e ele insistiu para que fosse passar o final de semana no mosteiro apara conversarem pessoalmente. E ela foi. Seria bom estar com os amigos queridos.

Na manhã de sua chegada, participou das primeiras meditações do dia e tomou o café com Ling que estava cheio de novidades sobre seus planos quanto ao mosteiro. Ao final do café, Miguel juntou-se à eles chamou -a para irem para a familiar beira do lago para conversarem. Ele sabia que aquele era o lugar preferido dela.

Chegando ao lago, sentaram-se e ela foi logo tentando esclarecer sua confusão: Miguel, não consigo entender sua ideia de que o amor muda de alvo! E eu , como fico? Miguel pediu que contasse exatamente e com mais detalhes o que havia acontecido. Ela contou toda a história, sendo parada muitas vezes por um pranto convulsivo. Miguel ouviu pacientemente e ao final disse que mantinha sua fala. O amor havia mudado de alvo. Ela chegou a irritar-se. E disse: Tá ele mudou o alvo. Maura agora é a favorita! Muito bem! E eu??? Miguel começou a falar calmamente. - Querida, Lucas é muito imaturo e dependente. Ele precisará ainda por muito tempo de um alvo externo. Você não. Apesar de ter vivido tanto tempo dentro desta história sem sentido, percebia que algo estava errado, que algo não a satisfazia plenamente, buscou outros mundos, outros conhecimentos. Quis criar um conto de fadas, apesar de ser tão crítica, tão curiosa. Agora que o sonho se desfez, finalmente você poderá se dedicar ao alvo perfeito: você. Ninguém "preenche" ou completa ninguém! Somos seres únicos! E é para esta verdade que agora você pode olhar sem receios. Mude de alvo! Foque na sua companhia, na sua própria essência. E tire disso uma lição para si e para outras pessoas que possam estar buscando as mesmas respostas. Você encurtará os caminhos delas! Vai torná-los mais fáceis.

Foi  como se uma luz intensa acendesse em sua alma. Ela precisava pensar.   

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Capítulo 7 O Pesadelo

Os dias se passavam e ela gostava de estar ali,ao lado de Lucas, mesmo quando ele parecia distante.
Não faltaram ocasiões em que a velha admiração por suas frases perfeitas voltou. Mas ela não entendia porque elas passaram a incomodar. Talvez fosse pelo contato maior que tinham agora, que fazia com que seu discurso parecesse esnobe. Mas tentava afastar o incômodo. Não parecia fazer sentido.

De qualquer forma, a vida de "quase casados", o contato com amigos, as descobertas que fazia sobre ele a deixavam cada vez mais certa de que era prá sempre.

Em uma manhã fria mas em que o sol brilhava depois de muitos dias nublados, ela o observava enquanto se preparava para ir ao trabalho.

Quando ele foi abrir as janelas,comentou: -"nossa! parece que faz anos que o tempo esteve claro!"

Ela não compreendeu porque a frase simples a incomodou, parecia que já a ouvira,exatamente daquela forma em algum lugar. Mas claro, não disse nada.

Sairam, ele nunca a deixava sozinha na casa.

Durante o dia, várias vezes a frase veio atormenta-la mas, pensava que era a mistura de cansaço com a vontade de manter a energia sempre em dia que a estava fazendo divagar por bobagens.

À noite, quando chegaram em casa e  preparavam o jantar, ela comentou o fato de não ter uma chave da casa.

Lucas, indiferente, disse que Sonia dizia que era muito egoísta com suas coisas, que isto havia causado muitas brigas.

- Parece que ela tinha uma certa razão

- Ah, mas você acha que é possível? Ela queria que eu deixasse os meninos mexerem nas minhas coisas! Coisas que eu guardo com o máximo de cuidado há anos! Eles quebrariam tudo!
-Que coisas por exemplo?

-Meus bonecos, meus instrumentos, meus apetrechos de pesca!

- Bonecos? Que bonecos?

- É mesmo,você ainda não conhece.

Pegou-a pela mão e disse:

-Vem cá, vou mostrar!

Ele parecia uma criança prestes a desvendar um segredo. Abriu as gavetas sob a cama e tirou de lá um grande coelho de pelúcia vestido com um pijama e uma também grande réplica de Pinocchio.

Ela não sabia o que dizer, mas ele apressou-se
:
- Não são lindos? São presentes de meus avós! Não podia deixa-los destruir!

E emendou: - Vou pegar as coisas de pesca prá você ver!

E de outra gaveta retirou um estojo enorme, algumas varas, linhas. Abriu o estojo,cheio de anzóis e iscas artificiais e começou a descrevê-las.

Falava com grande entusiasmo! Eram peças norueguesas, japonesas e até russas! Segundo Lucas, objetos caros e alguns raros.

Ela disse: - Eu nunca soube que você gostava de pesca!

- Gosto, gosto muito. Sempre que ia para a praia, ficava pescando no canal ou na beirada praia.

- Mas estas peças não são para pesca deste tipo,bom, eu acho, não entendo nada.
E ele,orgulhoso de suas posses começou a explicar:

- Não mesmo! São peças para pesca de peixes especiais, esta para alto mar....

-E você fazia tudo isso? Porque parou?

-Não, nunca fiz, mas compro as peças.

- Não estou entendendo. Você compra só prá olhar prá elas?

- hum... você está agindo como Sonia. Qual o problema? Acho que amar é mais do que apenas dar as mãos (outra vez, uma frase vagamente lembrada). Você deveria ao menos fingir que gostou!

- Não Lu, tudo bem, só  acho estranho gostar tanto de um esporte e não praticar!

E mudou de assunto para não discutirem.

Alguns dias depois, foram convidados para o aniversário de uma amiga dela. Uma amiga querida com uma família bacana e que além disso tinha um piano,coisa que ela sabia que iria agradá-lo.

Lucas  aceitou o convite com facilidade, coisa rara já que evitava pessoas que não conhecia.

E como esperado, assim que chegou, já foi se aproximando do piano e alegrando a todos com seu talento.

Sylvia, a amiga, tinha um garoto de 7 anos simpático e carinhoso que passou a rodear Lucas que também se encantou com ele, e disse: -Não parece um esquilo?

Aquela frase simples, quase provocou um desmaio ! Esta ela conhecia e se lembrava perfeitamente! Era uma frase do filme Perfume de Mulher,! Dita pelo protagonista interpretado porAl Pacino. 

Durante o resto da visita, ela permaneceu tão tensa e distante que Sylvia percebeu e nem insistiu quando decidiram ir embora.

Os dias seguintes foram difíceis! Ela era invadida por pensamentos obsessivos quanto às frases que ouvira durante anos tentando saber se foram "copiadas" de outros roteiros.

Em uma noite em que decidiram ficar em casa e assistir um filme,ela teve mais uma pista.

O filme era Moulin Rouge . Em determinada cena (a que os protagonistas cantam uma belíssima música de Elton John), Lucas ficou extremamente emocionado e quis rever a cena por oito vezes!

Ela estava muda. Ali estava a resposta para anos de admiração de todos, dela e dos amigos que durante tanto tempo ficavam encantados com seu linguajar bonito e sofisticado.

 E era assim, o método era a repetição incessante daquilo que queria reproduzir!

Ela só conseguia pensar em que outras circunstâncias ele imitara a vida,a fala alheia!

E ela? O que significava? Qual parte da fantasia?

E ele? Quem era?

Naquela mesma noite, conversavam sobre amigos que não viam há algum tempo.

- E a Maura? Nunca mais tive notícias!

- Falei com ela outro dia.

- Onde? Ela estranhou.

- Liguei prá ela.Foi muito legal,ela reconheceu minha voz!

- Eu lembro bem de sua "queda" por ela. Até namoraram uns dias, né?

- É. Mas sabe? Eu gostava dela! De verdade! Prá você ver, eu gostava muito de você como amiga, mas me apaixonei pela Maura e foi por muito tempo!

A dor que ela sentiu foi indescritível! Mas mais uma vez não reagiu. Porém, desta vez sua tolerância causara um grande incômodo. Precisava começar a pensar em si. Não era possível continuar aceitando tudo como se fosse normal.

Algumas noites mais tarde, Lucas chegara do trabalho muito nervoso porque falara com Sonia sobre a possibilidade de visitar o filho mais velho em seu aniversário, o que ela aceitara, desde que marcassem um encontro em algum lugar que não fosse a casa dela. Lucas estava inconformado! Achava que deveria ser recebido em sua antiga casa.

Essa  conversa começara por volta das 22 horas.

Ela não disse uma única palavra, até que Lucas terminou de esbravejar sobre os defeitos da ex esposa até  as duas da manhã!

E terminou dizendo o seguinte: -Bom, o que interessa é que ela (Sonia) não significa mais nada para mim!

Foi a gota d'água.Como se o oceano represado por anos, viesse à tona e desaguasse pela boca dela que respondeu:

- Se Sonia não significasse nada, você não estaria falando nela há 4 horas!

O silêncio que se seguiu foi sepulcral. Lucas adormecia logo depois.

Ela não dormiria mais por muito tempo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Capítulo 6 - Sonhando

A resposta de Lucas, foi algo surpreendente. Estava hospedado na casado irmão em uma cidade próxima , havia se separado de Sonia. Mas tudo isso dito de forma vaga, em tom monocórdio.

- Lu, preciso entender o que está havendo! Porque você foi prái? E o trabalho?

- Já conversei no trabalho, passo lá semana que vem para acertar tudo.

- E eu? Quando te vejo? Posso fazer alguma coisa?

- Por telefone não dá. Quando for ao escritório te ligo e a gente se vê.

Despediram-se assim, sem muitas explicações. Foi uma semana difícil. Os pensamentos não a deixavam em paz e se confundiam com lembranças que ela não sabia porque apareciam agora,neste momento.

 Nos últimos 10, 12 anos, além do envolvimento com as pessoas do mosteiro e sua religião, os estudos de filosofia  levaram-na a vários caminhos. Passou por experiências interessantes e loucas ao mesmo tempo. Entre elas a regressão à vidas passadas dera-lhe explicações convincentes sobre muitas coisas, inclusive sobre seu relacionamento com Lucas.

 Mas, ela mantinha tudo à distância, não buscava dirigir-se pelo que lhe foi mostrado. Queria a vida como é, fluindo sem interferências.

 Mas o que ela mais estranhava, é que uma lembrança bastante antiga viesse agora. Há anos, quando Lucas apenas namorava Sonia, tinha ido à casa dele, no dia de seu aniversário para "receber os parabéns", Como ele não estivesse, resolveu ficar na porta esperando e logo o avistou descendo a rua. Quando a viu, abriu o sorriso de sempre e entrou no carro. Beijou-a, abraçou-a e deu os parabéns. O que ela notou foi que tinha nas mãos um pequeno embrulho de presente e sua alma alegrou-se, devia ser prá ela.Ele falava sem parar, contando coisas que fizera no dia, sempre manuseando o tal embrulho, como querendo chamar a sua atenção. E ela não resistiu mais e perguntou:

- E esse embrulho? O que é?

- Ah! comprei prá Sonia! Você não sabia? Hoje é aniversário de namoro.Veja.
Abriu o embrulho e lhe mostrou um lindo anel de prata.

Ela nunca esqueceu aquela sensação horrível de tristeza e decepção, mas como sempre, na hora reagiu com o máximo possível de naturalidade dizendo:

- Não, eu não sabia, você nunca me contou.

Ela estranhava que ele nunca lhe desse presentes, já que ela sempre o fazia ao menos em datas especiais. Mas, como em geral sabia que homens não ligam muito prá essas coisas, ignorava. Mesmo porque havia aquela série de atitudes e frases fantásticas que substituíam outros mimos.

No dia que Lucas veio para acertar as coisas no escritório, telefonou no fim da tarde e marcaram um encontro em uma lanchonete próxima a casa dela. O encontro foi como tantos outros, exceto por perceber claramente que ele estava confuso e agitado.

- Lu, o que aconteceu? O que você tá fazendo no seu irmão?

- Então, acabou. A discussão foi à noite e aquela velha desgraçada me botou prá fora!

- Quem?

- Minha sogra! Aí eu liguei pro meu irmão e fui prá lá, com uma mochila de roupas.

- Mas e a Sonia?

- Ela não disse nada, e quem cala consente, não é?

- Não sei, acho que vocês deviam conversar, não acha?

- Que nada, a briga foi com ela, ela só não teve coragem de me mandar sair, deixou prá mãe,a dona da casa!

Ela não estava entendendo nada, mas preferiu deixar as coisas correrem.

-Mas como foi no trabalho, como você vai fazer prá trabalhar morando tão longe?

- Eles me deram 10 dias até eu arrumar um lugar mais perto prá ficar.

- E o que você pretende fazer? Ir prá um hotel, Alugar alguma coisa?

- Já reservei um quarto naquele hotel que tem do lado do escritório. Vou no meu irmão pegar minhas coisas e volto amanhã.

- No seu irmão foi tudo bem?

- Claro que não minha cunhada já veio dizendo logo que lá eu não poderia ficar por muito tempo.

- Mas onde você pretende alugar alguma coisa? Você sabe que não posso leva-lo prá minha casa...

- Calma, não se preocupe. Já tenho umas ideias e quando voltar, resolvo. Me leva à estação do trem?

- Claro! E quer que vá busca-lo quando chegar?

- Quero sim.

Ele foi, e voltou no final da tarde seguinte. Dormiram em um motel. Lucas falou a noite toda sem que ela precisasse fazer perguntas. Disse que ligara para Sonia dizendo que queria todos os presentes que lhe dera durante o tempo de namoro e casamento de volta e que ela deveria marcar um dia para que ele fosse buscar o restante de suas coisas inclusive os móveis que mantinha na garagem.

Ela ficava espantada a cada palavra, a cada frase e finalmente falou:

-Móveis, que móveis?

- Quando minha mãe trocou os móveis de casa resolvi ficar com os dela caso a gente montasse uma casa. Mas Sonia nunca quis sair do lado da mãe.

- Nossa, mas não eram móveis velhos?

- Velhos não!  Antigos e de ótima qualidade. Prá que eu iria comprar tudo de novo? Mas a outra lá, torcia o nariz!

- Lu, não acredito que você pediu os presentes de volta!

- Como não? Você dá presentes por carinho, por amor, isso acabou não foi? Então quero tudinho de volta! E vou devolver tudo também! Já deixei com meu irmão, ela vai ter que ir lá buscar.

E realmente dias depois, ele contou que Sonia levara os presentes ( na verdade poucas coisas) e que se recusara a receber os que ele havia deixado para que fossem devolvidos à ela. Havia dito também que ele poderia ir buscar os móveis quando quisesse, mas isso levou semanas para ser resolvido já que Lucas exigia que só o cunhado estivesse na casa no dia, não queria ver nem Sonia nem a sogra.Ela estranhava que em nenhum momento ele falara nas crianças.

-E os meninos?

- Não falei mais com eles. Mas ela vai ver! Quero vê-los quando quiser,só vou esperar até me ajeitar, ter uma casa. Enquanto isso não quero nem telefonar prá não piorar as coisas.

- Você não acha que devia manter contato?

- Prá que, prá eu sofrer mais, não deixa prá lá.

Na manhã seguinte ela o deixou no escritório.

No fim da tarde ele ligou todo entusiasmado dizendo que já havia resolvido a questão do lugar para morar.
Marcaram já na nova casa, que ficava próxima à antiga  casa dos pais dele, que havia sido vendida um ano antes. Pertencia a conhecidos, que não fizeram muitas exigências. Era minúscula,quarto,cozinha e banheiro, com uma única janela, mas bem localizada e suficiente para uma pessoa sozinha.

 Ele estava feliz e a contagiava. Dormiram lá no chão, sobre caixas de papelão. Mas prá ela era como se estivesse em um hotel 5 estrelas. Nos dias que se seguiram, ele, depois de muita discussão,acertou a data de retirar os móveis da casa de Sonia. 10 dias e a casa estava montada. Ela passava horas lá lavando louças (que ele também havia mantido com os móveis),colocando as coisas no lugar, como se estivesse brincando de casinha. Percebia-se sorrindo como uma criança na noite de Natal.

 Uma nova fase começaria para eles. 

Ela passava mais tempo na casa dele no que na própria. Só não podiaa ir prá lá definitivamente porque precisava cuidar da tia e da mãe.

Era tudo muito novo.Um"meio casamento".

Passavam horas ouvindo música,conversando recebendo amigos.Ele desfilava seus dotes culinários,era carinhoso e atencioso. Até demais.

À partir do momento que passaram a ter esta convivência, Lucas a solicitava demais enquanto não estava com ele. Ligava muitas vezes ao dia,chegava a atrapalhar.Mas, até então,ela via isso como apego,amor...

Era um sonho se realizando

Aos poucos, percebeu que havia algo errado.

sábado, 31 de julho de 2010

Capítulo 5 - Vivendo

Ela praticamente voou para a casa dele! (ficava há menos de 2 km), no trajeto repassava o discurso que faria, tomaria satisfações e diria tudo o que tinha vontade. Poria fim a esta situação absurda e sem futuro. Se fosse preciso e tivesse vontade iria agredi-lo fisicamente! Estacionou ruidosamente em sua porta e foi entrando veloz, furiosa.
Lucas já abrira a porta e ela entrou já aos gritos:
- Pode começar a falar! Que palhaçada foi essa?
Ele se aproximou dela inclinando-se para beijar seu gosto, dizendo um oi sem graça.
Ela apressou-se em jogar seu corpo tenso no sofá enquanto dizia:
- Que oi? Do que você tá falando? Como pode fazer isso?
- Anjo, calma, prá que ficar assim? Desse jeito você nem vai me ouvir!
- Ouvir o que? Que você é um cafajeste em quem eu achava que podia confiar?
-E você pode!
- A posso? Então porque você não me falou nada?
- Mas eu falei hoje no telefone!
- Tenha dó! Você sabe do que eu estou falando! Você tinha que ter me contado! Ou vai dizer que resolveram se casar na véspera?
- Entendi, você tá querendo dizer que eu deveria ter convidado você prá madrinha, ou chamado para a cerimônia, essas coisas?
- Não seu retardado! Mas acho que tinha o direito de ter sido avisada de que o amor da minha vida estava prestes a me deixar (já chorando muito), que tinha feito uma escolha....
- Não é nada disso! Se eu dissesse antes, você teria sofrido mais, por mais tempo, e prá que?
Ele se aproximou e a puxou para si, abraçando-a. Ela foi tomada por soluços que sacudiam todo seu corpo e atirou-se ao seu pescoço, abraçando-o enquanto ele dizia:
- Nada vai mudar... por isso não achei correto antecipar suas preocupações...
Ela só chorava, mas foi se acalmando com seus carinhos. Em poucos minutos estavam aos beijos, abraços e fazendo amor com intensidade como sempre.
Na verdade ela nem se lembra direito de suas explicações, só sabe que suas palavras eram perfeitas, faziam muito sentido como sempre...
Adormeceram e horas depois acordaram, ele preocupado com o horário. Tinha que ir. E ela querendo trancá-lo em algum lugar, impedi-lo de se afastar, mas ele começou a encerrar a conversa e diminuir suas angústias dizendo:
- Nada vai mudar. Não se preocupe. Só cedi às cobranças da minha família e à dela. Afinal, você diz que não pode se casar, que prefere deixar as coisas como estão. Mas não é assim que as pessoas que namoram por 7 anos pensam! Eles estavam me alugando!
- Tá, acho que vou me acostumar. Mas como a gente fica?
- Como sempre! Você cuidando de sua família, eu lá, e nós juntos,assim....(abraçando-a).
- Mas como vou te achar? Ou vou poder ligar prá casa de vocês.
Ele riu e disse: - Claro que não, eu te acho, pode deixar.
- Lu, me conta ao menos onde foi o casamento, a festa...
- (sorrindo). Bobinha... foi apenas no cartório, burocracia pura e simples. Eu jamais faria toda aquela encenação de igreja, terno, festa... A festa foi um bolo com champangne na casa deles mesmo. Coisa de gente pobre e sem nenhuma noção de nada! Esta vai ser a parte mais difícil prá mim, conviver com aquela gente de periferia, sem classe nenhuma, sem berço... E claro, a saudade de estar com você mais tempo e na hora que eu quiser.
Ela o abraçou e beijou dizendo: - Tá certo amor, como era mesmo aquela nossa explicação pro nosso caso?
E ele respondeu: Eles são os invasores, não nós dois!
Despediram-se como se tudo estivesse na mesma de 3 dias atrás.
Ela voltou prá casa, agora suspirando e sentindo-se estranhamente calma, tranquila. Era isso, ele era uma droga, um vício que quando usado desaparecia com todos os problemas, tornava a vida cor de rosa, imensa e feliz.
Os anos se passaram. Ela continuava cuidando dos pais e da tia cada vez mais dependentes, estudando muito e trabalhando. Ele, manteve o que dissera, continuaram a se ver com frequência. E isso foi constantes por muitos tempo. Só se afastaram por cerca de um ano após o nascimento do segundo filho dele (6 anos depois do primeiro)., ele dizia que a família o estava exigindo demais e como ela também tinha muitas preocupações, nem teve tempo de estranhar. O simples fato de ele existir já era suficiente.
Ela estranhava o fato de Lucas e Sonia nunca terem ido morar em uma casa deles. Moravam com a mãe dela ( o pai falecera pouco depois do casamento), mas, não interferia na vida dos dois. Ao contrário, chegava a ralhar com Lucas quando ele falava mal da esposa ou da família dela.
De qualquer forma, aos 34 anos, ela já considerava-se uma pessoa madura e esperta. Nesta época já tinha há tempos o apoio dos amigos Ling e Miguel, verdadeiros guias para a serenidade, que na verdade só ficava com ela por breves períodos, continuava ansiosa e com pressa eterna, sem entender o porque, afinal, tinha a vida que escolhera.
Foram muitos encontros, risos, admiração pela "sabedoria" das palavras perfeitas dele. Muito amor que ela acreditava correspondido.
Até um dia em que ela pensou estar revendo um filme antigo. Depois de muitas tentativas (e agora havia o recurso do celular), ela não conseguiu localizar Lucas em nenhum lugar e nem seus pais. E foi uma espera angustiante de 4 dias, até que finalmente ele atendeu sua ligação com uma voz estranhamente desanimada.
- Alô...
- Lucas! Onde você está?...
Mal sabia ela o que a esperava....

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Capítulo 4 Amores - Depurando

Ao chegar na sala de reuniões, Mestre Miguel já falava sobre as seis perfeições e não deixou de notar que estava atrasada.
Mestre Miguel era uma espécie de monge e gerente do mosteiro. Brasileiro, gaúcho, estudara no Tibet por 8 anos antes de retornar ao Brasil e assumir a parte burocrática e relações externas do mosteiro. As pessoas se surpreendiam com seu bom humor e com a facilidade com que transmitia ensinamentos complexos de forma simples e alegórica, especialmente aos visitantes de primeira viagem.
Logo na primeira vez que ela visitou o mosteiro, a amizade entre os dois floresceu. Como Miguel tinha muitos afazeres,entregou a orientação dela aos cuidados de Ling.
Formavam um trio inusitado! Hospedavam-se em sua casa quando iam à cidade e não se cansavam de relembrar as dificuldades que ela lhes causou nas primeiras vezes em que os visitou. Ela era ansiosa e rebelde, exigia respostas que eles diziam não existir... e foi por isso que ao final de sua palestre,Mestre Miguel pediu a Ling que a chamasse para uma conversa.
Ela entrou na sala de Miguel, fez a reverência habitual e a completou com um beijo no rosto que sempre o constrangia.
- Olá Mestre! Queria falar comigo?
- Minha amiga, percebi que chegou atrasada nas atividades da manhã. E apenas queria saber se posso ajudar em algo. Como vai sua busca? As lembranças estão sendo organizadas?
- Desculpe pelo atraso! É que essa minha viagem interior, às vezes me leva aos tempos de   ansiedade e irresponsabilidade! Fui dormir muito tarde!
- Não precisa se desculpar, eu apenas estranhei. E você nunca foi irresponsável minha querida, ao contrário! Saia do ritmo por buscar caminhos corretos. Achou? (ele sorri)
- Mestre, o que descobri é que não existem os tais caminhos. A vida é feita de vida e esta é instável, inconstante. Mas estou chegando lá. Minhas viagens já estão todas organizadas, em breve aterrizo no presente (riram juntos).
- Então está bem, vamos lá que a hora do almoço está chegando.
Depois do almoço, ela reencontrou a mocinha dos cabelos dourados em frente à grande estátua de Buda, e a moça perguntou:
- Se ele era tão sábio, era vegetariano e caminhava o tempo todo, como podia ser tão gordo?
Ela sorriu e explicou que  na verdade,a figura de um homem gordo e sorridente apenas representava a plenitude do ser, a força, mas que Buda nunca foi gordo.
A garota disparou perguntas a que ela foi respondendo pacientemente até que se despediu dizendo que tinha tarefas a cumprir.
Definitivamente a garota fazia lembrar-se de si mesma.
Voltou para seu quarto, já que com tantos visitantes não conseguiria isolar-se em nenhuma outra parte do mosteiro. Sentou-se em sua almofada, ligou o som em um mantra  de concentração e ficou assim por alguns minutos. Quando terminou, a figura de Lucas jovem, já estava presente diante dela.
Foi uma juventude muito feliz. Ela, Paulo e Lucas iam e voltavam para a escola juntos, ao clube, aos bailes, cantavam e eles tocavam violão o tempo todo. Ela e Lucas namoravam por alguns meses, terminavam, voltavam...
As pessoas que os conheciam e os amigos já nem estranhavam mais.
Já naquela época, ela estranhava um comportamento de Lucas: quando as pessoas estavam mais empolgadas com a música que ele tocava,ele simplesmente parava gerando grandes protestos.E era sempre assim.Ela estranhava mas deixava prá lá. Não compreendia.
Também chamava a atenção de todos o vocabulário dele, incomum naquela idade, cheio de frases de efeito sempre usadas na hora certa! Ficavam admirados como ele tinha resposta para tudo!
Mas a vida foi passando entre cantos,danças, esportes e risos. Muitos amigos queridos, alguns que levariam até a idade adulta.
Quando ela e Lucas estavam com 18 anos, uma tragédia acometeu o grupo. Paulo, morreu,segundo informações da época de um aneurisma cerebral. O choque foi terrível para todos. Os fez crescer.Para ela, foi a descoberta da Doutrina Espírita, precisava de algo que a consolasse.
Lucas também ficou abalado, mas agia estranhamente e pouco tempo depois, parecia que nada de grave havia acontecido, embora sempre falasse do amigo com carinho e saudade.
Nesta época,ele conheceu Sonia, 5 anos mais nova, linda,com quem namorou por sete longos anos até se casarem.
Mas,durante esses 7 anos, Lucas nunca se afastou dela. Ela odiava as palavras, mas o que tinham era "um caso", eram amantes. E os dois acreditavam que não estavam traindo ninguém. Eram pessoas à parte, as pessoas que entravam em suas vidas é que estavam invadindo seu espaço, nunca o contrário.
Ela vivia com os pais idosos e uma tia doente. Estudava e trabalhava. Não tinha liberdade de trazê-lo em sua casa, portanto, viam-se em qualquer oportunidade que aparecesse.
Foi em um dia desses,em que estaria livre para vê-lo que ela telefonou o dia todo para Lucas sem sucesso. Ligou à noite, na madrugada também, e nada. Estava preocupada,mas,como ninguém atendeu, imaginou que Lucas e os pais haviam viajado para resolver alguma coisa na casa de praia.
Na manhã seguinte, ao acordar, correu novamente para o telefone, apreensiva. Desta vez, Lucas atendeu. Ela quase não conseguia falar. Perdera o fôlego com o alívio...
- Oi!
- Oi! E aí? tudo bem?
- Tudo! Nossa, liguei ontem o dia inteiro, a noite, onde você se escondeu?
- É eu não estava aqui.
- E seus pais? Foram para a praia?
- Foram
- Você voltou sozinho ou eles estão aí também?
- Não, eles foram sozinhos eu não fui com eles.
- Ah é... E onde o senhor esteve a noite toda? (rindo)
- Olha, se quiser venhaprá  cá, precisamos conversar.
- Ih Não tô gostando!Aconteceu alguma coisa? Eles estão bem?
- Não tem nada a ver com eles. Anjo,é o seguinte, eu não moro mais aqui. Só passei prá pegar umas coisas e por água nas plantas porque minha mãe vai ficar fora a semana toda.
- Como assim, não mora mais aí? Brigou com eles?
- Não
- Caramba! Dá prá dizer o que está acontecendo? (ela já estava irritada e quase gritando)
- Não quer vir aqui? Estou com saudade
- (já derretida) Não Lu, fala logo o que aconteceu.
- Anjo, anteontem foi o dia do meu casamento .
 Ela perdeu a voz, ficou com o telefone nas mãos geladas, mau conseguia respirar...
- Alô! anjo....
- ..............................................

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Intervalos entre capítulos

Antes de dormir, ela estava no quarto ouvindo música, quando ouviu as batidas na porta. Abriu.
Era Ling, pedindo que abaixasse um pouco o som, um dos novos hóspedes havia reclamado.
Ruborizada ela desculpou-se.
Ling perguntou se poderia entrar um pouco para ouvir a música também.
Explodiram em risos cúmplices e ela ligou o som, mais baixo agora, para ouvir:

Tente Outra Vez

Raul Seixas

Veja

Não diga que a canção está perdida

Tenha fé em Deus, tenha fé na vida

Tente outra vez

Beba

Pois a água viva ainda está na fonte

Você tem dois pés para cruzar a ponte

Nada acabou, não não não não

Tente

Levante sua mão sedenta e recomece a andar

Não pense que a cabeça agüenta se você parar,

não não não não

Há uma voz que canta,

uma voz que dança,

uma voz que gira

Bailando no ar

Queira

Basta ser sincero e desejar profundo

Você será capaz de sacudir o mundo, vai

Tente outra vez

Tente

E não diga que a vitória está perdida

Se é de batalhas que se vive a vida

Tente outra vez

Ling, com uma expressão feliz, despediu-se da amiga,que fechou a porta, encostou-se nela e sorriu com a situação....
Um monge tãocompenetrado e sábio....
Música, bálsamo para todos!
Adormeceu feliz.

domingo, 18 de julho de 2010

Capítulo 3 - Amores - muitos

Tarde de sexta - feira.

O frio começa a aumentar, mas não era percebido. Todos andam prá lá e prá cá, preparando o mosteiro para receber novos grupos de visitantes que ficarão até o almoço de domingo.

Ling a havia convidado para participar da recepção o que era uma grande honra, uma demonstração de confiança.

Ela estava no quarto, dando os retoques finais na aparência, que para o acontecimento deveria ser o mais natural possível. Estava feliz. Gostava dos monges e dos iniciantes, mas no momento preferia ter o mosteiro só para si, para continuar sua varredura de memória, seu exercício de auto lembranças.

Que egoísmo - ela diz prá si mesma sorrindo!

Essas pessoas só podem se hospedar aqui uma vez por mês, e com reservas antecipadas. Tenho vindo quando bem quero! E olhando-se no espelho pela última vez, diz: Vamos lá! Ao trabalho!

Ling já estava no alto da escadaria, onde os visitantes receberiam as boas vindas e suas credenciais. Ao vê-la sorriu e acenou para que se aproximasse.

- E  então amiga? Preparada para a avalanche de perguntas e curiosidades?

- Ansiosa Ling! Será que vou conseguir ajudar mesmo?

- Claro que sim! Você já é da casa (sorriu). É só dizer apenas aquilo que sabe. O que não souber, pergunte a nós ou encaminhe as pessoas aos monitres, sem problemas! Vai ser bom prá você dar um intervalo para suas memórias. Observando os outros, muitas vêzes encontramos nossas respostas.

Enquanto falavam, o primeiro micro-ônibus, entrava pelo caminho sinuoso até o estacionamento. E dele começaram a surgir os primeiros visitantes. Um grupo de idosos que pareciam liderados por um senhor oriental que falava o tempo todo apontando os lugares especiais do templo. Algumas pessoas na faixa dos quarenta, sozinhos ou em duplas. E três casais na faixa dos 20. Lindos como todos os jovens são, sorridentes e ágeis. Foram os primeiros a chegar ao alto da escadaria.

-Boa tarde, disse a garota de longos caracóis louros. O que precisamos fazer?

Ling fez uma reverência para acompanhar o boa tarde e olhou para ela de soslaio, incumbindo-a  daquela recepção.

-Ela, inexplicavelmente corada, apresentou-se à jovem e disse-lhe que bastavam as apresentações e a retirada das credenciais, e que depois iria acompanhá-los até a sala da primeira atividade da tarde.

Enquanto isso Ling recebia os outros grupos que vinham chegando, mas não sem prestar atenção ao comportamento da amiga. Depois de entregar as credenciais, apresentava-os (em grupos de 8) aos monitores que os encaminhavam para a sala de atividades.

Enquanto andavam, ela ia observando aqueles jovens casais felizes como se nada mais houvesse no mundo além daquele lugar e aquelas pessoas. A jovem de caracóis louros, era naturalmente a líder do grupo. Todos a seguiam, como um imã. Teve saudade...

A primeira atividade consistia em informações gerais sobre o templo, permissões e proibições, horários, códigos de conduta.  Encerrava-se com uma breve oração de agradecimento e seguiam para o jantar no refeitório.

O barulho era grande, as pessoas ainda estavam excitadas, os casais andavam e trocavam beijos rápidos, visivelmente entusisasmados com as novas experiências. Ao lado deles, os jovens monges monitores, sempre discretos e sorridentes.

Ling, se aproxima do grupo, localiza a aniga e vai até ela que diz: Bem, estão entregues!

Ling diz: e porque acho que vejo uma sombra de melancolia no seu rosto?

-Lembranças amigo, lembranças...

-Lembranças são registros da vida querida, não nos devem deixar melancólicos, devem nos lembrar o longo caminho que já percorremos, o quanto já aprendemos....

Caminhavam lado a lado com certa distância do grupo que já entrava no refeitório e buscava seus lugares.

Jantaram juntos e em seguida, ela pediu  licença para recolher-se. Despediu-se de Ling e dos outros monitores e foi para seu quarto com a imagem da mocinha que liderava seu grupo de casais.

Ali, sozinha, deixou as lembranças fluirem. Ela também havia sido a líder de seu grupo. Era admirada pelos amigos, pelos pais deles, pelos professores... Mas o que mais chamava atenção de todos, era que nunca ficou sozinha, sem namorado. E esteve apaixonada, pela última vez, o tempo todo. Isso a fazia sorrir agora, mas era complicado na época.

Logo após a decepção com Márcio, houve o primeiro namoro. Pedro era mais velho, estava 2 séries à sua frente! Foi tudo emocionante! A primeira dança no baile, o primeiro beijo, os primeiros passeios de mãos dadas. Mas foi também um tormento, pois o garoto era a paixão de uma das melhores amigas. Na verdade, nem se lembra porque terminou depois de três longos mêses (naquele tempo isso era uma boa quantidade de tempo).

As amigas mau podiam acreditar, que os meninos mais cobiçados da escola e do clube se apaixonavam por ela, afinal, definitivamete, não era a mais bonita. Mas era assim que acontecia.

Depois apaixonou-se por Willian, um filho de amigos dos pais, que mudara-se para sua cidade recentemente, e que era louco por ela desde os 9 anos... e "já " tinham 13 agora! Era lindo, um cavalheiro!
Mas novamente uma grande confusão. Mesmo depois que o namoro terminou, ele nunca deixou de se interessar por ela, mantiveram uma amizade gostosa mas que fazia as pessoas pensarem que ainda havia algo. E outra de suas melhores amigas, era apaixonada por ele também! Se fosse repassar todas as etapas deste episódio, levaria o resto dos dias de sua passagem pelo mosteiro. Melhor deixar prá outra hora!

Mas, já não havia nada. E na verdade, não haveria mais nada por décadas. Foi nesta época que conheceu o aluno novo da sala, Lucas.

No segundo dia de aulas de ciências, a professora cobrou da turma o nome dos integrantes dos grupos de trabalho. Todos se apresentaram e a professora notou que Lucas não estava incluído entre eles. Informou à sala e perguntou quem o incluiria. Ninguém se manifestou. Lucas, muito menos, permanecia absorto, desenhando algo em seu caderno.

Acontece que Lucas, além de novo na sala, era diferente dos outros. Muito mais alto e forte que os outros garotos, sempre com um ar desligado, olhando de cima e com um violão nas costas, que sacava a qualquer momento, em um canto isolado qualquer e começava a tocar e cantar divinamente. Seu único companheiro era Paulo, três séries a frente e o oposto dele. Carismático, falava com todos, era muito querido.

Mas, como tudo que era intrigante a atraia, quando a professora estimulou novamente a sala a incluir o novo aluno, ela levantou-se e disse que o aceitaria, sob os olhares estupefados das outras integrantes (sim eram mais 4 meninas). Foi até a carteira de Lucas, do outro lado da sala, apresentou-se, e finalmente, viu naquele rosto uma expressão sem carrancas e o rápido som de um "valeu", que repondeu com um sorriso. Olhou o desenho que ainda não terminara e impressionada com a qualidade do trabalho disse: Que lindo! É um Taurus 38, não é? Lucas não podia acreditar! Como aquela menina tonta podia reconhecer uma arma?

Era só uma das coisas que descobririam um sobre o outro pelo resto de suas vidas.

Até que ela entendesse que ele era um engôdo, simplesmente não existia.



-