sino

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Capítulo 7 O Pesadelo

Os dias se passavam e ela gostava de estar ali,ao lado de Lucas, mesmo quando ele parecia distante.
Não faltaram ocasiões em que a velha admiração por suas frases perfeitas voltou. Mas ela não entendia porque elas passaram a incomodar. Talvez fosse pelo contato maior que tinham agora, que fazia com que seu discurso parecesse esnobe. Mas tentava afastar o incômodo. Não parecia fazer sentido.

De qualquer forma, a vida de "quase casados", o contato com amigos, as descobertas que fazia sobre ele a deixavam cada vez mais certa de que era prá sempre.

Em uma manhã fria mas em que o sol brilhava depois de muitos dias nublados, ela o observava enquanto se preparava para ir ao trabalho.

Quando ele foi abrir as janelas,comentou: -"nossa! parece que faz anos que o tempo esteve claro!"

Ela não compreendeu porque a frase simples a incomodou, parecia que já a ouvira,exatamente daquela forma em algum lugar. Mas claro, não disse nada.

Sairam, ele nunca a deixava sozinha na casa.

Durante o dia, várias vezes a frase veio atormenta-la mas, pensava que era a mistura de cansaço com a vontade de manter a energia sempre em dia que a estava fazendo divagar por bobagens.

À noite, quando chegaram em casa e  preparavam o jantar, ela comentou o fato de não ter uma chave da casa.

Lucas, indiferente, disse que Sonia dizia que era muito egoísta com suas coisas, que isto havia causado muitas brigas.

- Parece que ela tinha uma certa razão

- Ah, mas você acha que é possível? Ela queria que eu deixasse os meninos mexerem nas minhas coisas! Coisas que eu guardo com o máximo de cuidado há anos! Eles quebrariam tudo!
-Que coisas por exemplo?

-Meus bonecos, meus instrumentos, meus apetrechos de pesca!

- Bonecos? Que bonecos?

- É mesmo,você ainda não conhece.

Pegou-a pela mão e disse:

-Vem cá, vou mostrar!

Ele parecia uma criança prestes a desvendar um segredo. Abriu as gavetas sob a cama e tirou de lá um grande coelho de pelúcia vestido com um pijama e uma também grande réplica de Pinocchio.

Ela não sabia o que dizer, mas ele apressou-se
:
- Não são lindos? São presentes de meus avós! Não podia deixa-los destruir!

E emendou: - Vou pegar as coisas de pesca prá você ver!

E de outra gaveta retirou um estojo enorme, algumas varas, linhas. Abriu o estojo,cheio de anzóis e iscas artificiais e começou a descrevê-las.

Falava com grande entusiasmo! Eram peças norueguesas, japonesas e até russas! Segundo Lucas, objetos caros e alguns raros.

Ela disse: - Eu nunca soube que você gostava de pesca!

- Gosto, gosto muito. Sempre que ia para a praia, ficava pescando no canal ou na beirada praia.

- Mas estas peças não são para pesca deste tipo,bom, eu acho, não entendo nada.
E ele,orgulhoso de suas posses começou a explicar:

- Não mesmo! São peças para pesca de peixes especiais, esta para alto mar....

-E você fazia tudo isso? Porque parou?

-Não, nunca fiz, mas compro as peças.

- Não estou entendendo. Você compra só prá olhar prá elas?

- hum... você está agindo como Sonia. Qual o problema? Acho que amar é mais do que apenas dar as mãos (outra vez, uma frase vagamente lembrada). Você deveria ao menos fingir que gostou!

- Não Lu, tudo bem, só  acho estranho gostar tanto de um esporte e não praticar!

E mudou de assunto para não discutirem.

Alguns dias depois, foram convidados para o aniversário de uma amiga dela. Uma amiga querida com uma família bacana e que além disso tinha um piano,coisa que ela sabia que iria agradá-lo.

Lucas  aceitou o convite com facilidade, coisa rara já que evitava pessoas que não conhecia.

E como esperado, assim que chegou, já foi se aproximando do piano e alegrando a todos com seu talento.

Sylvia, a amiga, tinha um garoto de 7 anos simpático e carinhoso que passou a rodear Lucas que também se encantou com ele, e disse: -Não parece um esquilo?

Aquela frase simples, quase provocou um desmaio ! Esta ela conhecia e se lembrava perfeitamente! Era uma frase do filme Perfume de Mulher,! Dita pelo protagonista interpretado porAl Pacino. 

Durante o resto da visita, ela permaneceu tão tensa e distante que Sylvia percebeu e nem insistiu quando decidiram ir embora.

Os dias seguintes foram difíceis! Ela era invadida por pensamentos obsessivos quanto às frases que ouvira durante anos tentando saber se foram "copiadas" de outros roteiros.

Em uma noite em que decidiram ficar em casa e assistir um filme,ela teve mais uma pista.

O filme era Moulin Rouge . Em determinada cena (a que os protagonistas cantam uma belíssima música de Elton John), Lucas ficou extremamente emocionado e quis rever a cena por oito vezes!

Ela estava muda. Ali estava a resposta para anos de admiração de todos, dela e dos amigos que durante tanto tempo ficavam encantados com seu linguajar bonito e sofisticado.

 E era assim, o método era a repetição incessante daquilo que queria reproduzir!

Ela só conseguia pensar em que outras circunstâncias ele imitara a vida,a fala alheia!

E ela? O que significava? Qual parte da fantasia?

E ele? Quem era?

Naquela mesma noite, conversavam sobre amigos que não viam há algum tempo.

- E a Maura? Nunca mais tive notícias!

- Falei com ela outro dia.

- Onde? Ela estranhou.

- Liguei prá ela.Foi muito legal,ela reconheceu minha voz!

- Eu lembro bem de sua "queda" por ela. Até namoraram uns dias, né?

- É. Mas sabe? Eu gostava dela! De verdade! Prá você ver, eu gostava muito de você como amiga, mas me apaixonei pela Maura e foi por muito tempo!

A dor que ela sentiu foi indescritível! Mas mais uma vez não reagiu. Porém, desta vez sua tolerância causara um grande incômodo. Precisava começar a pensar em si. Não era possível continuar aceitando tudo como se fosse normal.

Algumas noites mais tarde, Lucas chegara do trabalho muito nervoso porque falara com Sonia sobre a possibilidade de visitar o filho mais velho em seu aniversário, o que ela aceitara, desde que marcassem um encontro em algum lugar que não fosse a casa dela. Lucas estava inconformado! Achava que deveria ser recebido em sua antiga casa.

Essa  conversa começara por volta das 22 horas.

Ela não disse uma única palavra, até que Lucas terminou de esbravejar sobre os defeitos da ex esposa até  as duas da manhã!

E terminou dizendo o seguinte: -Bom, o que interessa é que ela (Sonia) não significa mais nada para mim!

Foi a gota d'água.Como se o oceano represado por anos, viesse à tona e desaguasse pela boca dela que respondeu:

- Se Sonia não significasse nada, você não estaria falando nela há 4 horas!

O silêncio que se seguiu foi sepulcral. Lucas adormecia logo depois.

Ela não dormiria mais por muito tempo.

Um comentário:

  1. Só agora tive tempo de ler esse capítulo, mas adorei assim como os outros passados. Me encanto com sua linguagem simples e com sua sensibilidade. Parabéns mais uma vez

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